23 de dezembro de 2008

«Contingência, Ironia e Solidariedade»

Poderá a Pornografia, ou a Ciência Pornográfica, enquanto acto redescritivo (conceito de Richard Rorty) do sexo explícito, estar tão próxima da Alta Cultura como o Romance, a Peça de Teatro, o Documentário ou a Fotografia?

Em «Contingência, Ironia e Solidariedade», Richard Rorty, explora a tensão «entre perfeição individual e a responsabilidade social, entre a arte e a filosofia radical ou entre a arte, enquanto desenvolvimento de uma consciência individual, só por si, e a necessidade de pôr de lado os assuntos particulares, de cada um, em benefício do interesse público».
O autor começa por se demarcar da abordagem filosófica platónica — filosofia sistemática. Este modelo entende a filosofia como a tentativa continuada na procura da verdade absoluta, alheia à Historia, exterior ao sujeito e à linguagem, logo, fora do campo contingente. Uma verdade capaz de atingir a essência da realidade e a natureza intrínseca das coisas. Rorty propõe a filosofia edificante — corrente de pensamento que abandona o mito platónico assente na ideia de que os Homens têm elementos comuns à partida— absorvida pelo pormenor, pela conversação e pela ironia contingente.
O autor introduz a figura do Ironista (conceito próprio), alguém que levanta dúvidas profundas sobre o vocabulário a utilizar, hábitos e crenças dominantes da sua cultura. Alguém que coloca o Mundo num «plano funcional» e compreende a verdade como «um momento de verdade». O Ironista, à maneira de Rorty, concebe o mundo funcional na «verdade situada», contingente, e inteligível exibindo algum cepticismo relativamente às abordagens privilegiadas no conhecimento da realidade.
O Ironista é um especialista em redescrever — o seu método por excelência. Redescrever significa abrir uma porta para o inteligível, avançar com uma descrição possível, não como única ou plena, mas passível de derivações, variações e «contra-variações». Perito em redescrever coisas e acontecimentos, o Ironista, origina surpresas, coloca problemas, gera sobressaltos argumentativos, fórmula derivas teóricas, torna contingentes noções e crenças, «reimprimindo uma nova inteligibilidade às questões». Richard Rorty constata que as sociedades democráticas, habituadas a pensar por contrários, colocam a dialéctica segundo contrários desligados e antagónicos. Rorty busca a possibilidade de realidades contrárias se tocarem, cruzando-se no campo contingente estando sujeitas, constantemente, a novas inteligibilidades.
Neste sentido, ao falar-se em redescrição — nova descrição — reconhece-se que nenhuma descrição do mundo é original. Desta forma, após a queda de descrição original, nada garante, ao Ironista, que a Esquerda seja mais conservadora e a Direita mais liberal, que os realistas estejam mais próximos da realidade que os utópicos, que a ciência é mais verdade que a fantasia, que o pensar é antitético do agir, que o bem representa valor hierarquicamente superior ao mal, que a razão detenha privilégio lógico e a emoção repentismo, que a liberdade se manifeste contrária à repressão, que os especialistas compreendam melhor que os leigos, que o complexo é menos perceptível que o simples, que a consciência concorra na certeza e a inconsciência na perversidade e que a Pornografia, enquanto acto redescritivo do sexo explícito, se apresente mais distante da Alta Cultura que o Romance, a Peça de Teatro, o Documentário ou a Fotografia.
No essencial da minha Ironia, ao estilo de Rorty, recupero a figura de João Carlos Oliveira Saldanha(Duque de Saldanha). Adepto devoto do Cartismo e contestatário dessa tendência. Mais tarde militante dedicado de Costa Cabral e posteriormente contra-cabralista. Oliveira Saldanha, no seu pacifismo revolucionário, é considerado um traidor histórico. A minha Ironia permite-me perceber Oliveira Saldanha como alguém, que ao redescrever-se, se reinventou permanentemente.
Oliveira Saldanha foi sempre tudo e o seu contrário. Não foi pornográfico. Sou eu. Ironia.

André Manuel Vaz

4 de dezembro de 2008

Os medos da «ditadura provisória»

Do exercício político de Manuela Ferreira Leite, à frente do partido Social-Democrata, fica a intenção, pouco feliz, de suspender um regime democrático continuado por uma ditadura provisória. Ferreira Leite entende que a Democracia, compreendida como o Governo do diálogo, da cedência e da negociação, impossibilita qualquer movimento reformista profundo. O apelo à «ditadura provisória» foi recebido, com simpatia e amabilidade, no jantar da militância adepta, onde o discurso, palanque improvisado, foi correspondido, em uníssono, pelo corro de aplausos. O discurso e a natural ovação parecem ter caído bem entre a gente da «Máquina Laranja». Haja inconsciência.
As Democracias modernas, por serem pervertidas, ou como alguns preferem compreender, por assumirem a promessa de Maquiavel – compreende a política como resultado final e não como veículo onde os fins justificam os meios – realizam-se na manutenção do poder. Desta forma o objectivo último de quem está no poder é manter-se no poder. Quem manda quer continuar a mandar. Uma linhagem desviante e assustadora para quem, como eu, têm na Democracia, enquanto sistema político, o reconhecimento da legitimidade de exercício político.
O PSD vê-se abrigado à oposição comodista e silenciosa, típica do melhor cavaquismo, que ganha substância e adquire forma na ideia: a convergência institucional permite a oposição pela linha de Belém. A chegada à liderança do PSD, de Manuela Ferreira Leite, afigura que o messianismo salvador, como a Direita o conhece e desenvolveu, está bem vivo e recomenda-se. Com a consideração de sempre.
O caminho de Maquiavel – o da razão de Estado: entende que a acção do Estado deve assumir um carácter amoral no sentido de garantir a maximização do interesse próprio porque, como esclarece o autor, o Estado abdica de tudo menos da sua sobrevivência – esbarra no contrapeso do poder: a resistência. Onde há poder há resistência. Manuela Ferreira Leite com a pouca habilidade política que dispõe, a que se lhe conhece, terá de silenciar a ala liberal progressista, afecta a Pedro Passos Coelho, sempre pronta para o assalto à liderança. Na calha a facção liberal romântica, afecta a Pedro Santana Lopes, disponível para o combate político. Uma terceira via a considerar, na qual eu pouco acredito, reside no surgimento do Partido Liberal como movimento marginal dentro do PSD e que, em hipótese, divide o partido entre conservadores e progressistas. Fantasia tão propositada quão incapaz de Alberto João Jardim.
A Democracia prossegue fragilizada por entre os medos da «ditadura provisória», a qual, o PSD propõe. Para lá da solução messiânica, do regresso do salvador e da pilotagem das elites há mais Direita e mais PSD. Por agora os corredores do partido, de si para si, vão sussurrando: Marcelo Rebelo Sousa. Resta saber até quando.
Fica a provocação, com intuito explícito e obsceno de provocar – peço desculpa pela intencional redundância, de um dedicado democrata: se a Democracia já vale tão pouco, ou mesmo nada, que os contestatários apresentem alternativas ao regime.

André Manuel Vaz

Retrato

Esta coisa de ser coisa que não sou
É coisa de outra coisa
De outra coisa que fui
Coisa que já não sou.

Que coisa sou eu?
Resultado de outra coisa
Coisa menos minha
Mas coisa do meu eu.

Enquanto coisa minha
A coisa de não ser coisa
É coisa de outra coisa
Coisa de Deus
Ou coisa que ele deu
E se deu eu não tinha.

Entre uma coisa e outra
Há coisa, há coisa, há coisa
Na inquietude do meu eu
Sou mais coisa menos coisa
E coisa que não sou eu.

Franco Infante de Melo

17 de novembro de 2008


O provocar de mim próprio

Provoco-me irrequieto
Ao excitar da mente
Entre palavras soltas e pensamentos
Sou mais de mim
Dissidente.

Provocam-me as palavras
No entrelaçar da razão
Sou mais de mim
Sou menos mente
Mais coração.

Deixo-me provocar
Pensar, a provocação premente
Provoco-me irrequieto
Provocam-me as palavras
Sou menos razão
Sou mais coração
Inquieto dissidente.

Provoco as palavras
Provocar-me-ão elas a mim?
Indomável turbilhão
Enquanto dissidente
Sou menos mente
Mais coração.

Provoco-me, a mim
Repetição resistente
Enquanto dissidente
Sou mais de mim
Mais coração
Menos mente.

Provoco, provoco, provoco
Provoco-me irrequieto
Sou menos razão
Provocam-me as palavras
Menos mente
Deixo-me provocar
Mais coração
Provoco as palavras
Dissidente
Sou mais de mim?
Conheço presente.

Franco Infante de Melo

16 de novembro de 2008

O vazio

Enquanto o mundo discute, os seus destinos, entre dois homens – Barack Obama e John Mccain – vamos vivendo na sombra. Há que recuperar a máxima «em política as ideias não precisam ser úteis mas parecer úteis».
Fica na retina, contudo, as vozes gritantes da mediocridade intelectual que entende existir a unidade necessária, em torno do primeiro candidato afro-americano à casa branca, Barack Obama, capaz de mudar o curso da história e da humanidade. Fantasia tétrica. O candidato democrata não é mais que o vazio de ideias entre o seu sorriso bonito e contrastante, percebe-se porquê, e o discurso eloquente, claro está, que pompeia.
A campanha pobre, de pensamento e propostas, alimentada pelo recrutamento da militância adepta, do devaneio, claramente apostada na distribuição de panfletos, fundo azul-bebé, onde se subscreve, preto carregado, a mensagem: «Change We Need». O vazio da mensagem, macabro, de quem quer vender a ideia, pouco fundamentada, de que John Mccain representa a continuação da política Bush, em matéria de linhagem externa, a que coloca a América na guerra pela «salvação do mundo» contra um povo apostado em experiências limite.
O paliativo, preocupante, reside no argumento, ou como alguns preferem chamar-lhe, contra-argumento: o racismo proveniente dos totalitarismos do século XX, irracionais e criminosos, deu lugar ao «racismo moderado» das sociedades democráticas modernas. Sociedades cujo triunfo, constatação inquietante, reside no «mal necessário» da pobreza e discriminação serem minoritárias. Um «racismo moderado» que permite, a diferentes raças, a convivência num mesmo espaço de relação e que tolera a integração étnica. O que não tolera é a deriva na liderança da América e dos destinos do mundo.
O vazio impôs-se e os americanos, tal como nós, deixaram de pensar. As heresias dos crentes e os sonhos de Martin Luther King prevalecem. Haja loucura.

André Manuel Vaz

25 de outubro de 2008

A promessa da política

«A promessa da política é a que aponta para a possibilidade de realização de uma forma específica de liberdade do mundo humano; não aquela que deriva da natureza humana, mas a que se impõe a essa natureza no espaço criado pelo relacionamento humano».
Na tentativa de compreender a realidade política global e as possibilidades da política, Hannah Arendt, desenvolve um exercício crítico onde coloca, no centro do debate, a questão do senso comum, da filosofia, do medo, da liberdade, do Homem político, do pessimismo antropológico, de Deus e do Homem como motor de construção. Em «A Promessa da Política», a autora, entende que existe um domínio, que se estabelece entre a natureza bruta do Homem e o «isolamento de Deus», no qual se pode fruir a verdadeira liberdade. Uma liberdade específica que se impõe no espaço criado pelo relacionamento humano. Segundo a autora, essa liberdade específica, adquire substância na ideia: «nem forçados por nós próprios, nem dependentes de condições prévias da existência material». Esse domínio, como alerta Hannah Arendt, aponta para a «necessidade» de criação de um «espaço intermédio» de convivência que não brota da essência humana mas da interacção entre os Homens.
«O colapso do senso comum no mundo presente assinala que a filosofia e a política, apesar do antigo conflito que as opunha, sofreram a mesma sorte». Enquanto a filosofia, como exercício de pensamento, reflecte um acto interior de cada sujeito a política e o seu exercício actuam sobre algo ou sobre alguma coisa. Uma verdade, parece-me, indesmentível. O contacto entre as duas disciplinas torna-se difícil mesmo quando se percebe que ambas tocam lugares comuns. Há, também, na análise da autora, uma visão negativista sobre a utilidade do senso comum na política. O meu desacordo consiste no facto de entender que a razão, como instrumento analítico, não consegue escrutinar toda a realidade. Nesse sentido o senso comum confere, ao Homem, um sentimento de conforto intelectual. Esse sentimento de conforto intelectual constitui o garante, do mesmo, puder desenvolver reflexões mais complexas.
Hannah Arendt considera o medo e a liberdade condições de difícil coabitação. Explicito: A ausência de lei, ou resulta de «democracias pervertidas», a tal ponto que «a força de uma lei anula a força de outra», ou «fica a dever-se à usurpação dos meios de violência por parte de um tirano». Em qualquer dos casos, a partir «da privação de poder geral», surge o medo e perde-se a «artificialidade». «As tiranias estão condenadas porque destroem a reunião dos homens: isolando os homens uns dos outros, destroem a pluralidade do Homem». As problemáticas poder-nos-ão parecer desajustadas pois as democracias modernas à muito que deixaram de colocar, na esfera pública, a questão da reunião e do medo como foco de debate. O que não significa que deixe de as analisar. Todo o poder que tem como sede legitimadora o medo tende a fracassar. Exemplo disso o fim das ditaduras ocidentais e o termo dos projectos comunistas.
«O Homem é apolítico». Hannah Arendt lembra que a manutenção dos mitos conduz o homem à menoridade culpada. Explicito: incapacidade de usar, livremente, do seu próprio entendimento. Esta fuga à menoridade culpada permite-lhe perceber que o Homem não é por natureza político nem tem nada de político na sua essência. A política não brota do Homem mas da sua interacção. Daí a ideia de que a política e a liberdade não são coisas em si mesmas mas construções. «Trata-se da guerra da revolta de cada um contra todos os outros, que são odiados porque existem sem sentido, sem sentido para o Homem criado à semelhança do isolamento de Deus». A concepção pessimista antropológica hobbesiana – o Homem é mau por natureza – é apontada como a responsável pela construção dum espaço intermédio de convivência humana. Elucido: O Homem entregue a si mesmo tende para a brutalidade e para o despotismo. O estado de Brutalidade ou como prefere chamar-lhe Hobbes, «de natureza», aspira ao domínio do Homem pelo próprio Homem. Essa construção intermédia de convivência é a que se estabelece entre a natureza bruta do Homem e a perfeição de Deus. Os Estados são organizações humanas que tendem para condições de domínio intermédio onde o Homem pode fruir a liberdade e onde a acção política, ao cumprir a sua promessa – criação de um espaço de liberdade comum ao Homem – organiza indivíduos diferentes tendo em consideração «a sua igualdade relativa e contrapondo-a às suas relativas diferenças». Percebe-se, pois, que a tendência dos seres humanos para a reunião – «quer a título privado ou social, quer a título público ou político» – os junta e separa uns dos outros, simultaneamente, num mesmo espaço. A quando da reunião dos homens, «o mundo emerge entre eles», e é nesse espaço intermédio, o qual o estado de brutalidade do Homem não proporciona e, para o qual, a «concepção monoteísta de Deus» não soube dar resposta, que são conduzidos os assuntos respeitantes ao Homem.
É-se levado a crer, e do meu ponto de vista erradamente, que a resposta à pergunta de partida – qual é, afinal, a promessa da política? – se torna tão simples e conclusiva de enunciar: a liberdade. Hannah Arendt, por força dos acontecimentos catastróficos que assolaram a humanidade no século XX e sobre os quais a política acarreta responsabilidades, particularmente as experiências totalitárias e a bomba atómica, coloca-se perante uma questão bem mais radical, agressiva e macabra: «continuará a política a ter ainda qualquer sentido?». A verdade, esta inquestionável, surge quando se concebe a política como um «mal necessário» à manutenção da vida humana. Neste sentido a política começou a «banir-se» a si própria. O seu sentido transformou-se, por muito que nos custe, em ausência de sentido.
A pólis, entendida à luz do conhecimento familiar dos Gregos, traduz a «libertação» realizada pela força e pela coerção baseada no «governo absoluto» exercido por cada chefe de família em sua casa. Embora o sentido do domínio político não fosse entendido como meio de tornar a liberdade humana possível constituiu, ele próprio, o «pré -requisito» indispensável no conhecimento de todas as coisas políticas. Aristóteles acresce que a política, no sentido grego, assume o entendimento «de fim e não de meio». Em contraponto, implicada em sentido moderno, a pólis assume-se como o espaço «intermédio», onde os homens, na sua liberdade «específica» – a construída pelo relacionamento humano – interagem uns com os outros sem coerção e resolvem os seus assuntos por meio «da palavra e da persuasão recíprocas». Hannah Arendt propõe que entendamos a pólis como a mais alta forma de vida humana, em comum, e a única onde se pode gozar uma «liberdade específica» – a edificada – pelo relacionamento dos homens e não a que advém da sua natureza. A autora compreende a política, ou a sua promessa, como o instrumento que conduz o Homem à «busca dos seus próprios fins». Um garante da vida no seu sentido mais amplo e um meio pelo qual se dispõe da «felicidade mínima à existência». A política deve, assim, cumprir a sua preocupação primeira – «a vida comum dos homens e não de anjos» – no sentido do Estado, soberano regulador, que detém o monopólio da força bruta, puder tomar as medidas capazes de impedir a «guerra de todos contra todos». Hannah Arendt toma em consideração um aspecto categórico, desta espécie de liberdade política, o de ser uma «construção espacial». O mundo, no espaço criado pela força das leis, permite ao Homem mover-se em liberdade. A noção de «liberdade específica» decorre do entendimento da pólis – construção intermédia de convivência que se estabelece entre a natureza bruta do Homem e a perfeição de Deus – como espaço de «correcção da natureza humana». «O que fica fora desse espaço é sem lei» e, por isso, sem mundo – «no que à comunidade humana importa» – é um deserto.
O meu entendimento da problemática – qual é, afinal, a promessa da política? – aponta noutro sentido. Na Grécia Antiga a expressão política e liberdade confundia-se. Através do desenvolvimento dos meios de força, provenientes do lodo obscuro do projecto moderno, hoje, a política tende para ameaçar a liberdade. Ironia macabra. Os totalitarismos do século XX criaram e desenvolveram a política segundo a promessa da «ordem pela força». Promessa que, sobre qualquer ponto de vista analítico, cumpriu-se. As democracias ocidentais prosperaram a política e a sua promessa como «a liberdade pela obediência». A anarquia propõe um entendimento, utópico e diletante, da política assente na promessa da «liberdade pela inexistência de toda e qualquer força coerciva». Estas constatações tétricas, adoçadas pela verdade oportuna, até oportuna de mais parece-me, de que «a democracia é um péssimo regime mas o menos péssimo de todos», levam-me a colocar a possibilidade da política assumir, de futuro, a promessa da filosofia ou da «filosofia política», como alguns aclaram, a que alude no sentido do esclarecimento. Sobre a tutela do esclarecimento, a promessa da política, deve possibilitar a emergência do Homem sobre a ignorância tornando-se autónomo e usando, livremente, o «senso crítico» que o dirige, assim, para a «maioridade» – o esclarecimento. Os projectos políticos que se seguiram ao iluminismo do século XVIII «transformaram a política em história ou substituíram a história à política». Tenho como verdade o seguinte: assumir que a promessa da política é o esclarecimento é arrogar, também, o projecto iluminista como esboço dum iluminismo em devir. Fica na retina, contudo, a fantasia Pessoana de que «vivemos livres e criativos demais para nos imporem limites».


André Manuel Vaz

17 de outubro de 2008

O conto: A evasão e a glória.
A história de João de Castro Mendes e o Portugal burguês dos sonhos gigantes.

João de Castro Mendes, filho de Manuel Ferreira de Castro e Maria da Conceição Mendes, nasceu e cresceu no Alentejo. Os verdes anos passados entre os campos de trigo e o fruir da liberdade. A infância tolerante no recato do Outono e a juventude excitada pela jovialidade da primavera. Os rasgos cor-de-rosa apareciam a medo. Um medo legítimo para quem se conheceu modesto, afável, moderado e complacente.
A suave infância e a perversa juventude de quem quis viver tudo ao mesmo tempo. Agora, mais do que nunca, Castro Mendes partia à descoberta da dissidência ou do seu acentuar. Conheceu Joana Amaral Tomás num passeio costumeiro de manhã primaveril. A inocência de Joana contrastava com os deslumbres viciosos de Castro Mendes. João era libertino e Amaral Tomás casta. Cedo se tornaram amigos e confidentes. Enquanto Joana desfrutava, candidamente, do seu primeiro beijo João de Castro fabricava fantasias copiosas. Os passeios alongavam-se pelas tardes soalheiras mesmos quando de noite o frio penetra nos quentes corações. Um amor fugaz terminara. João de Castro queria conquistar o mundo mas Joana apenas conquistá-lo. Ironia.
João de Castro Mendes viajou para Lisboa. Por lá viveu e morreu. Perdeu-se em sonhos gigantes. Joana Amaral Tomás viveu e morreu no Alentejo dentro do seio pacato da família que construiu.
Na retina, João de Castro Mendes, traduz o ruralismo progressista diletante. Joana Amaral Tomás o tradicionalismo lusitano. Um conflito macabro num Portugal com saudades de futuro.

Franco Infante de Melo

9 de outubro de 2008

A verdade incómoda

O discurso político caseiro, típico das pretensões eleitoralistas, não olha ao quadro internacional.

Enquanto os partidos do «Bloco Central» definem a estratégia para 2009 as preocupações internacionais redundam. A Direita vive, hoje, a ressaca do cavaquismo. Como movimento político-económico, o cavaquismo, representou o culto do executivo forte, da obra pública, do enriquecimento da Classe Média e a definição e ocupação, por parte do Estado, de sectores estratégicos da economia. Portugal assumia o Modelo Económico Misto onde o sector público e privado conviviam em harmonia e onde o Estado dispunha do papel regulador de toda a actividade económica. Sobre qualquer ponto de vista analítico o cavaquismo colocou Portugal na rota da modernidade. O cavaquismo findou e deixou saudades, os liberais nunca se impuseram e os populistas apaixonaram o PSD cada vez mais fraccionado. Manuela Ferreira Leite fez renascer o Cavaquismo, ergueu o silêncio, fez regressar as elites à pilotagem mas os murmúrios dos divergentes acentuam-se a cada dia que passa. Nunca o PSD esteve tão longo do rumo e os movimentos do anti-excesso brotam.
A Esquerda desfruta do triunfo, não demodèe, da velha máxima: «Em política a melhor propaganda é aquela que não parece propaganda». O Partido-Socialista montou uma cortina de ferro, à qual, só o Bloco de Esquerda tem acesso. Explicito: o intensificar de movimentos marginais, movimentos políticos que conhecem a sua génese no interior dos partidos mas que só adquirem expressão fora deles, deixa antever que dificilmente o PS auferirá de nova maioria absoluta. Manuel Alegre, poeta absorvido pelo sentimento de justiça social, outrora rotulado pelos capangas da Máquina de aposição interna, constituiu-se no veículo de aproximação ao bloco, o qual, o PS reclamara. Da anexação do Bloco ao PS resultará o «Esquerdão». Elucido: o bloco conquistou a Esquerda e o PS o Centro. O contacto de ambos manifesta-se na abertura do PS às questões sensíveis e pelo repensar do Bloco em matéria de rigor orçamental e metas europeias. Nesta conjuntura o «Esquerdão» garante duas clientelas eleitorais: o «Centro excêntrico», romantizado pelo Bloco, e o «Centro Moderando» afecto ao PS.
Kant escreveu: «o uso privado da razão acarreta limitações em nome da manutenção da ordem pública e da consciência de felicidade do Homem». Não reitero a ideia. Angola está a morrer. O Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) obteve, nas legislativas de 5 e 6 de Setembro, 81,64% das intenções de voto. Assistiu-se ao controlo do Estado pelo próprio Estado e ao instrumentalizar dos meios de comunicação. Angola reinventou a chamada Fórmula Globo. Elucido: todo o movimento político brasileiro apoiado pela Estação Globo saiu vencedor.
Há um Portugal maquiavélico e negocista na linha da «governação sem governo» trazida pela Europa onde a razão de Estado – os fins justificam os meios – é a máxima dominante. Angola está sem destino e tornou-se um país politicamente inviável onde actua um ordenamento político corrupto. Só os Portugueses não vêem.


André Manuel Vaz

18 de setembro de 2008

O veto presidencial

A teoria da conspiração: coexistem duas alianças de poder no quadro político nacional.

Escrevi, neste meu blog, 28 de Junho de 2008, o seguinte: «o comício do Teatro da Trindade anexou bloquistas, socialistas e comunistas renovadores foi jogada de bastidores do Partido-Socialista». Posteriormente, a 10 de Julho de 2008, acrescentei: «o Partido Social-democrata está condenado à oposição comodista assente na teoria: estando o PSD na linha de Belém, dificilmente, o governo vê promulgados devaneios eleitoralistas. O “Bloco Central”perfilha a intenção da “velha fidalguia intelectual” rumar ao poder. Privados – só há diálogo na existência de lugares comuns – andam por ai, adulando uns, enganando outros, na fugaz tentativa da hegemonia, a reboque, típica do melhor partidarismo».
A «Nova Esquerda» – espaço político romântico, aberto, sensível – é transversal a toda a «Esquerda». A «Nova Esquerda» é o bloquista buliçoso, o comunista renovador e o socialista delicado. Há, portanto, uma área política de convivência comum, a qual, significativa massa adepta da «Esquerda» frequenta. O decreto-lei relativo ao divórcio litigioso, aprovado por toda a «Esquerda Parlamentar», é a constatação disso mesmo. Existe, de facto, uma aliança de poder à «Esquerda» alicerçada pelo intensificar de movimentos marginais.
Arnold toynbee esclarece: «a continuidade ocorre por respostas fornecidas a desafios constantes». Explicita: «as respostas, adequadas ou não, surgem no sentido de garantir a continuidade». A política é balancear de pesos e contra pesos. A aliança de poder à «Direita» estabelece o harmonizar de contrários garantindo, assim, o equilíbrio do quadro político nacional. Elucido: o PSD interpreta, apaixonadamente, o tradicional silêncio cavaquista. Cavaco Silva, naturalmente comovido, interfere nos projectos da «Esquerda» utilizando, abusivamente, os poderes constitucionais de que dispõe. O veto político, ao decreto-lei sobre o divórcio litigioso, afigura a reconstituição da «Direita conservadora», típica do melhor cavaquismo, a qual, Manuela Ferreira Leite reitera.
Importa referir, o entendimento de Adelino Maltez, sobre a matéria em análise: «O que me parece é que o veto reflecte um confronto de concepções do mundo e da vida. Pela primeira vez um Presidente da República "tem um intervencionismo moral”. Há equilíbrios difíceis de gerir a um ano de todas as eleições».
Assiste-se ao renascer do país modesto e rural, «orgulhosamente só», católico, com a chancela de Belém.

Jornal da Mealhada
André Manuel Vaz

27 de agosto de 2008

A falsa concepção da difícil conjuntura

Na política do partidarismo solidário incomoda a dissonância, o debate e a reflexão. O melhor maquinismo partidário, do debate de corredor, faz emergir determinada facção, apostada em fazer valer, interesses comuns. Constituem-se, dentro das máquinas partidárias, blocos de influência que conhecem a sua génese nos corredores do poder. Rapidamente a facção de corredor perfilha um qualquer movimento oposicionista interno encabeçado, por um também qualquer, «homem da máquina». Este Movimentacionismo interno deslindou a seguinte «fórmula de oposição»: Entre Sorrisos, abraços, comprimentos, simpatias e amabilidades lá vai chegando a militância adepta da facção. Nas mesas, geralmente redondas, serve-se o vulgar jantar. No palanque, improvisado, o discurso efusivo, crítico e direccionado à clientela, afecta, correspondido, pelo já habitual, coro do aplausos. Na calha o jornalista romantizado pelo esquema, conhecedor do rodeio, encarregue da notícia, primeira página, letras gordas, no jornaleco diário do dia seguinte. O comentário político, ao cargo de meia dúzia de articulistas de telejornal, os ocupantes costumeiros do monopólio opinativo, enfatiza a fantasia e fomenta o aparecimento destas alas divergentes de ataque às lideranças. Soltam-se palavras de ordem: instabilidade e divisão.
A concepção da difícil conjuntura é a mais recente teoria dos «jornaleiros à Direita». Homens de facção, do movimento contrário à ordem, do cálculo oportunista, liberais pintados de sociais-democratas, apoiantes da conveniência e amantes do corredor. Substancia-se nestes propósitos: a crise internacional, agravada pelo jogo especulativo que envolve o preço do petróleo, é uma realidade permanente. A ideia vanguardista liberal apostada na auto-regulamentação do mercado, pelo próprio mercado, fracassa e a concepção de preço de equilíbrio é ilusão. Portugal, economia de dependência, encontra-se, desta forma, submerso numa crise económica sem precedentes. A crise económica abre, então, a porta à crise social traduzida no fim da classe-média, no desemprego, na precariedade, na pobreza e na segregação social. Há, portanto, uma crise internacional efectiva, à qual, as economias de dependência não conseguem fazer frente e que, em ultima análise, afecta todo a sociedade civil. Estão reunidas as condições necessárias ao fim do governo socialista. A solução, em 2009, só pode significar uma «viragem à direita».
A concepção da difícil conjuntura, teoria a cargo dos «mandatários da Direita», afigura-se desprovida da qualquer estudo político. O ataque do Partido-Socialista ao «Centro moderado» só pode significar uma perda à «Esquerda». O crescimento do Bloco não se traduz na alternativa mas a ocupação do espaço político deixado pelo PS na sua deslocação para o «Centro». A estratégia da «Esquerda», para 2009, consiste em forçar, cada vez mais, a deslocação do PS ao «Centro» e ocupar, definitivamente, a «Esquerda». Ao «Centro Direita», a estratégia da omnipresença, traduz-se em Ocupar a totalidade da «Direita», acumulando a facção do CDS-PP, disputar do «Centro», com o PS, e, a «bandeira social-democrata», permite dividir a «Esquerda».
Em 2009, à «Direita», o termo da solução messiânica, do regresso triunfante do salvador, do cavaquismo forçado e esforçado e da intenção aristocrática de rumar ao poder conduz ao principiar do movimento híbrido, da ideologia mista e da hegemonia do anti-excesso.
O Partido-Socialista está condenado, com ou sem maioria absoluta, a ser novamente governo.

Jornal da Mealhada
André Manuel Vaz


10 de julho de 2008

Portugal vai assim: corre o Bloco para o «Centro-Esquerdão», logo, cai outro Bloco…ò «Bloco Central».

O déspota, opressor e prepotente António Oliveira. Américo o complacente e benévolo. A política é a arte de harmonizar contrários e tão bem conviveram eles. Enquanto o país esmorece, o silêncio, à direita, vai marcando passo. Tem sido a marca clássica do cavaquismo responsável.
O regresso ao «centrão» seria uma possibilidade que a pesada herança cavaquista dissipara. O Partido Social-democrata está condenado à oposição comodista assente na teoria: estando o PSD na linha de Belém, dificilmente, o governo vê promulgados devaneios eleitoralistas.
Platão disse outrora: «o excesso costuma ser correspondido por uma mudança radical, no sentido oposto, quer nas plantas, quer nos corpos, e não menos nas cidades». O cavaquismo fomenta, estimula e excita o populismo. O anti-excesso é a principal arma política que Rui Rio têm, de futuro, a apresentar ao PSD.
Não menos relevante a facção liberal do PSD que não deixa de ser social garantista. Percebo a ideia: tendo o PSD imoderadas clientelas não vá, uma candidatura de facção, ser mais facção ainda.
À margem das guerrilhas internas do PSD está o Bloco de Esquerda. A ideia da chamada «Nova Esquerda» onde, em hipótese, coabitam, no mesmo espaço político, socialistas, bloquistas e comunistas renovadores assume contornos de embuste que só as teses da neoanexação estratégica explicitam. Corre, portanto, a Bloco para PS e este, conivente, deixa-se apanhar arquitectando, assim, o «Esquerdão».
O «bloco central» perfilha a intenção da «velha fidalguia intelectual» rumar ao poder. Privados – só há dialogo na existência de lugares comuns – andam por ai, adulando uns, enganando outros, na fugaz tentativa da hegemonia, a reboque, típica do melhor partidarismo.
A fantasia: diria Oliveira ao benévolo Américo: «a política é a arte de possível e nunca do óptimo».

André Manuel Vaz

4 de julho de 2008

A grande ilação: “Uma mentira repetida, várias vezes, torna-se verdade”, Joseph Goebbels.

A Universidade de Harvard propõe o estudo da Psicologia Positiva. Elucido: “Estudo científico do funcionamento humano óptimo”. A Psicologia Positiva instrui, entre outras coisas, a tornar-se feliz. O fim último da civilização: a fórmula da felicidade. Arroga que atendamos com optimismo “ o mundo que nos rodeia”. Explicita que “a forma como vemos o mundo” traduz o modo como “o mundo olha para nós”.
A psicologia positiva traduz o optimismo oco, emotivo e popular pouco, ou nada, razoável. Tenho como verdade o seguinte: as massas mergulham no optimismo com medo de respirar verdade.
O pessimismo é racional, é duro, é obsceno, é perverso. Sou um forçado pessimista, prisioneiro da racionalidade, da analisa, da crítica arrogante e mordaz. O pessimismo é viciado, é pervertido e olham o fim com propósito.
A ideia de sociedade feliz é repisada na substância: também somos o que dizem que somos. Se dizem que somos felizes, logo, somos felizes. Fica a razão deixada ao abandono. Só é opinião o pensamento pessimista, todo o resto é contemplação.
Substancio o meu derrotismo no seguinte: ou percebo, continuamente, que tenho razão ou sou agradavelmente surpreendido.

André Manuel Vaz

28 de junho de 2008

A teoria da conspiração

O comício do Teatro da Trindade anexou bloquistas, socialistas e comunistas renovadores foi jogada de bastidores do Partido-Socialista. A «máquina socialista» convive, relativamente bem, ao contrário do que ostenta parecer, com os devaneios alegristas. A joga é evidente: se, em 2009, o Partido-Socialista obtiver nova maioria absoluta, ideia que se vai esvaziando, Manuel Alegre constitui-se como aposição interna do partido, esquerdista da ilusão, poeta idealista e o Bloco antro dos lobbys homossexuais. Caso contrário o PS, com maioria relativa, coligar-se-á ao Bloco. Ai Manuel alegre foi o socialista consciente, o poeta absorvido pela justiça social e o elo de ligação ao Bloco que o partido reclama. Ò Bloco da justiça, ò Bloco da moral, ò Bloco da ética, ò Bloco, ò Bloco, ò Bloco…
Outrora o cavaquismo fora a alternativa. Hoje, com Ferreira Leite, é a transição para o populismo disfarçado, fingido e responsável de Rui Rio. Telho-o dito: o PSD nunca conheceu, senão o populismo, outro antídoto ao cavaquismo. Aquando das legislativas, em 2009, o PS preparou o regresso triunfante, à esquerda, com o Bloco. O Partido Social-Democrata sai, mais uma vez, derroto às costas do cavaquismo. Ò nostalgia, ò tristeza, ò saudade, ò cavaquismo vácuo, ò impossibilidade do retorno ao «centrão», ò PSD, ò PSD, ò PSD...

André Manuel Vaz

21 de junho de 2008

PSD: entre o messianismo desesperado e o populismo sedutor

Do triunfo de Manuela Ferreira leite nas internas do Partido Social-Democrata há ilações claras a reter. O PPD-PSD é um partido fraccionado e de sentimentos contraditórios. O populismo emergente, cativante e entusiástico está agora na sombra do cavaquismo sólido e maciço pronto a manifestar-se aquando oportuno momento. Com Ferreira Leite “a bordo” do PSD o regresso ao passado está ai tanto na forma como no conteúdo. Reina de novo, agora como dantes, a aristocracia intelectual deixada ao abandono pela hegemonia dos movimentos liberais e reformadores.
O PPD-PSD é um partido profundamente messiânico. O único antídoto que conhece ao populismo é o cavaquismo ou as suas formas sucedâneas. Quando se esvaziaram os devaneios santanistas lá veio o firme cavaquismo através de Marques Mendes. Enquanto o partido se iludia em fantasias Menezistas ai está o pragmatismo cavaquista com Manuela Ferreira Leite.
Este dilema traduz a disparidade entre o Novo PSD, da escola neoliberal e reformadora, e o Velho PSD do culto do Estado como supremo regulador.
O PPD-PSD é, hoje, um misto de cavaquismo, de nostalgia, de saudade do passado, de populismo oportunista, de movimentos de ascensão, de pensadores fantasistas, de oportunistas costumeiros e de movimentos contra-hegemónicos.
Conseguirá a “Velha Guarda Social-democrata” silenciar tudo isto?

André Manuel Vaz

20 de junho de 2008

Que Intervencionismo de Estado?

«A democracia vai morrendo» Vasco Pulido Valente
Sequela do “ânimo leve”, do “corriqueiro racionalista” e da “convicção casmurra”, aliás, bem portuguesa, apresentamo-nos, face à sociedade e ao mundo, visivelmente bem domesticados. É a moda do “Der Ser”, do “Dever Pensar” e do “Dever Agir” desta Comunidade Europeia dicotómica entre o relativismo galopante e o «orgulhosamente sós» do nosso “querido amigo”. É o “Dever Ser” que nos impede fumar em locais públicos. O “Dever Pensar” alerta para a necessidade da preservação da saúde pública e dos “coitadinhos” dos fumadores passivos. O “Dever agir” obriga a frequentar “guetos” para quem desfruta do vício ou, sabe-se lá, do prazer do cigarro.
O “rebanho”, a massa social e o cidadão comum vão ao leme deste entendimento. Numa primeira abordagem à questão, também eu, confesso, integrei o “rebanho” dos que defendem, em nome seja lá do que for, um intervencionismo de Estado radical, tirano, pesado e intransigente. Docilmente fascista, suavemente totalitário, brandamente ditatorial e meigamente repressivo. Pensar assim é não entender o dilema. Este intervencionismo atroz toma conta do Individuo, da sua liberdade individual e da singularidade como pessoa. O Estado tal como a Europa têm vindo a “comer” o Individuo.
Uma Europa apostada na uniformização de processos e que vai na “onda” da globalização desmedida. Onde prolifera a tolerância acéfala, saudável, permissiva, moderada e vazia em si mesmo. Uma Europa que não tolera nem atende, aos restos, de uma “burguesia” enfatizada. Pomposa, culta, excêntrica, elitista, e intensamente crítica, que, não alinhando nem com os “cardumes” nem com as “manadas” de opinião, vai entendendo o dilema. Vai entendendo, que a tal ânsia desmesurada, na marcha para a unidade de Europa, colide, com uma sociedade heterogénea, diferenciada e que a sua riqueza, está, na existência de diferentes especificidades culturais, que, mais ou menos harmonicamente, convivem entre si. Num mundo de multiplicação e divisão, dos centros decisórios, a Europa quer, loucamente, reunir-se.
É o desejo Quimérico da sociedade perfeita e igualitária. É a diferenciação prepotente, tipicamente Ocidental, de uns melhores do que outros. É a ilusão do “espaço vital” hitleriano.
A democracia vaia-se esgotando com o estreitar dos direitos individuais.

André Manuel Vaz

A Questão Cubana

“O povo cubano e a revolução socialista devem muito a Fidel Castro. Teve um gigantesco papel na liberdade, na soberania de estado e no prestígio de cuba”, Albano Nunes, comissão política do PCP.
São estes os argumentos da “velha esquerda”, portuguesa, em relação à forma como cuba foi dirigida durante meio século. Esta “velha esquerda”, conservadora e de boa ética, entende que meio século de dirigismo político de um país, centrado na figura de Castro, constitui um bom presságios de um regime saudável, renovador e representativo. Considera que um ditador, como foi Fidel, teve “um gigantesco papel na liberdade”. É a teoria de que é possível coexistir liberdade com prisões políticas, com autoritarismo de estado, com vacuidade de liberdade de imprensa, com perseguição à oposição política, com inexistência de pluralismo e com um regime fechado em si e para si. Vê na soberania de estado a guerra com os E.U.A. e não o entendimento dos fins últimos do Estado: paz social, justiça e a ordem pública.
Agora a questão central é perceber o futuro próximo de cuba. Há, loucamente, quem acredite que o sucedâneo Raul Castro conduzirá cuba à liberdade. Não tenhamos ilusões. Raul Castro representa a “evolução na continuidade” marcada pelo hipotético progressismo do regime.
Cuba, sobe alçada de Raul Castro, será a fantasia Marcelista que esvoaçou no “céu português” por altura da Primavera.

André Manuel Vaz
Globalização e complexidade

Pensar a globalização é compreender teilhard de chardin. A globalização entendida como processo de aproximação planetária onde proliferam pontos de contacto comuns é tida como co-responsável no surgimento da cultura de massas. Potenciou, mais ou menos explicitamente, a interdependência mundial, o aprofundar das relações entre pessoas e Estados bem como a intensificação dos mercados internacionais.
Padre e filósofo, chardin, presta um interessante contributo à compreensão do fenómeno. A base explicativa da sua teoria prende-se com o entendimento das noções de “convergência”, “divergência” e “emergência”.
A convergência traduz-se na marcha para a unidade do mundo e no aparecimento de blocos de interesses e influência. A União Europeia constituiu-se com base nesses pontos de contacto comuns assumindo-se como um dos blocos de influência mais marcantes do século 20.
A divergência manifesta-se com a multiplicação dos centros decisórios. No aparecimento de poderes erráticos e infra estaduais. No surgimento de novos Estados e no despertar de movimentos contra hegemónicos. Os diferentes grupos de pressão, conhecidos sobre a forma de “lobbys”, apresentam-se como uma alternativa da influência sobre o poder legislativo em favor de interesses tidos como privados.
A emergência constitui-se, assim, como um estado mais complexo de entendimento, de uma dada realidade, não pela síntese de diferentes convergências e divergências mas pela sua superação.
Assim, nas relações internacionais, há, em cada momento, sinais de convergência e de divergência e concludentemente novas emergências. Ao mesmo tempo que as relações multilaterais e de dependência se impõem surgem novos actores nas relações internacionais num contínuo processo de equilíbrio e desequilíbrio do quadro internacional.
Neste sentido considera-se a globalização uma “filha legítima” resultante do intensificar de estados de entendimento e da sua consequente superação em realidades mais complexas.
A propósito, José Adelino Maltez, propõe, a fim de reflexão, o conceito de “medo global”. A dada altura o Homem apercebe-se da existência de inimigos comuns contra os quais, cada um de nós, sozinho, nada pode fazer. São eles, a título de exemplo, o aquecimento global, o efeito estufa, a desertificação, a poluição e o degelo. Com base neste novo sentimento de consciência global, trazido pela ideia de “medo global”, assistiu-se ao acelerar dos processos de Mundialização.
Na tentativa de compreender os futuros efeitos da globalização vamos proceder de uma forma bem portuguesa: encontrar culpados e equacionar cúmplices. Culpa-se a revolução tecnológica, a massificação dos meios de comunicação e o efeito aldeia global aliados ao jogo especulativo, ao capitalismo selvagem, aos interesses privados e aos monopólios de influência.
Não temos, a modéstia, de considerar a globalização o reflexo da complexificação do homem enquanto ser que racionalmente existe e, que por existir, teme.
É esse o contributo dado por teilhard de chardin e Adelino Maltez.

André Manuel Vaz