Precisam-se, com urgência, filósofos estúpidos
Proponho-me responder, em tom de monólogo partilhado – reflexão que estabeleço comigo próprio ainda que partilhada com os leitores – à interrogação deixada em aberto aquando do meu último ensaio: «Entendam, caros leitores, a ironia, o sarcasmo, a provocação latente, figuras das quais sistematicamente me socorro no exercício dos ensaios, enquanto «estocadas certeiras» ao conjunto de hábitos e práticas de pensamento que repugno. Esclareço: pensar bem não significa pensar como eu. Significa, antes, pensar segundo inferências válidas e sustentáveis. Caso contrário, tornamo-nos reféns de convicções absurdas. Última estocada: de que servem homens de convicções absurdas?». Importa garantir que a Filosofia, «apesar do antigo conflito que a opõe à Política», não sofre de igual remate – «o colapso no mundo presente» traduzido no descrédito da classe política. Faço-o seguro da convivência impossível entre ambas as disciplinas: a Filosofia, enquanto exercício de pensamento, «reflecte um acto interior de cada sujeito». Por sua vez, a Politica, na sua praxis, actua sobre algo ou alguma coisa. Um «mal necessário» à manutenção da vida humana em sociedade.
Comecemos pela fantasia: tomemos o mundo enquanto lugar perfeito pensado e desenvolvido no sentido de organizar indivíduos tendo em consideração «a sua igualdade relativa contrapondo-a às sua relativas diferenças». Suponhamos, a bem da ficção, que o Direito, garante da ordem pela força, serve o cidadão comum, enquanto gerador de conflitos de interesse, ao não ser instrumento das elites dominantes de qualquer organização social. Imaginemos, por capricho pessoal, a globalização, enquanto processo de aproximação planetário, o motor capaz de conceber uma justiça mundial responsável pela promoção da igualdade entre homens. Admitamos que a globalidade de cidadãos do mundo abraça valores, crenças – inimigas da dúvida, logo, proibidas ao léxico filosófico, e certezas comuns, as quais, permitiam um Governo Mundial – cosmopolis, centrado nos interesses autênticos e verdadeiros da humanidade. Eu, um louco convicto, ainda assim, manter-me-ia céptico em relação à bondade do homem. Ainda assim, arriscar-me-ia filosofar: duvidar sempre da perfeição do mundo. Ainda assim, seria descrente perante homens de fé – homens que procuram descobrir algo em que acreditar já que, de si, pouco descobrem de valor, em si, nada há em que acreditar. Ainda assim, permanecia imoral entre homens de ética – criminosos da expressão livre em favor das normas e das regras rígidas do pensamento científico moderno – envergonhar-me-ia, perante este, curva-me: a resistência racional apresenta-se, dos meus instintos, mais próxima que a tolerância. Tornar-me-ia, com certeza – outra inimiga da filosofia: «só os seres superficiais têm certezas profundas», crítico profissional – guardo nomenclaturas de amigos, esta, da autoria do meu caro Nuno Castela Canilho. Empresto, desde já, o meu profissionalismo crítico à opinião.
Deixemos o faz de conta: os homens não são iguais entre si – nem o devem: «há uns mais iguais que outros». As sociedades, umas mais outras menos, com maior ou menor expressão, desenvolvem lógicas de estratificação. Não há, portanto, homens iguais enquanto existir quem governe e quem seja governado. Quem mande e quem seja mandado. Quem exerça o poder e quem lhe esteja sujeito – quanto a isto: estamos conversados. O Direito é o elemento organizador de todas as estruturas sociais do Estado. Contudo, mais não representa senão «o Direito dos mais fortes» – criado e desenvolvido pelos mais fortes para benefício próprio. Em última análise, o Direito que tutela as Democracias Modernas Ocidentais, por mais «aliciantes mas falsas ideias claras que tínhamos», acentua, ou melhor: perpetua, a desigualdade entre os homens. O Estado «por tratar-se de uma instituição hierárquica permite uma oligarquia governante». A sua natureza, dominador ou dominado, director ou emergente, varia em função do poder que cada Estado, por si, exerce sobre outro Estado igualmente considerado. Explicito: os Estados Unidos da América controlam o mundo. Qualquer tomada de decisão americana influencia, directa ou indirectamente, a totalidade dos Estados Soberanos. A Cooperação Internacional para o Desenvolvimento, programa que visa o auxílio dos países desenvolvidos aos países em desenvolvimento, cuja finalidade se prende com o combate às dificuldades económicas e sociais dos segundos, não goza de menor propósito – o seu sentido inicial transformou-se em ausência de sentido. Sejamos claros e incisivos: aos americanos, tal com à totalidade dos países desenvolvidos, nada importa o manifesto subdesenvolvimento de outros Estados. Conspiremos irmãos – aceitam a inconveniência da minha religiosidade lúcida? – contra práticas americanas: o Iraque não dispõe, nem nunca dispôs, de armamento nuclear que colocasse a humanidade sob ameaça global. A ideia de ameaça global foi usada e manipulada pela máquina americana de forma a legitimar uma guerra pela salvação do mundo. Uma guerra pelo petróleo e pela água – «o petróleo do futuro». No essencial, uma guerra pela manutenção da hegemonia mundial. Uma guerra pela perpetuação do poder – a ditadura do poder. A este novo colonialismo, que obriga a «comer» sem «questionar» um modelo cultural dominante, chama-se «americanização do mundo». A globalização não passa da falsa verdade – e da desculpa, de quem não estuda, logo desconhece, o alcance da relação entre Estados. O mundo, até que o contrário se pense – e pior: se afirme, com pouca substância, não é irreversivelmente transformado pela globalização. O poder dos governos nacionais e dos nacionalismos, bem como as disposições geopolíticas permanecem invariáveis e determinam, ainda, as orientações do nosso tempo. Perdoem-me a dureza que, enquanto crítico profissional – guardo nomenclaturas, empresto à crónica.
Precisam-se, com urgência, filósofos estúpidos – se possível estúpidos e loucos: será a loucura antitética da lucidez? Filósofos que produzam ideias estúpidas – homens de convicções absurdas, os quais, tendem a ser contrariados por filósofos menos estúpidos que, por sua vez, produzem ideias, também elas, menos estúpidas. Até à ideia inteligente. «Não é a dúvida mas a certeza que enlouquece». Estou demasiado certo quanto à força da dúvida, logo – hipótese a não desconsiderar, talvez não passe de filósofo estúpido. Ainda assim, presto serviço à humanidade.
Proponho-me responder, em tom de monólogo partilhado – reflexão que estabeleço comigo próprio ainda que partilhada com os leitores – à interrogação deixada em aberto aquando do meu último ensaio: «Entendam, caros leitores, a ironia, o sarcasmo, a provocação latente, figuras das quais sistematicamente me socorro no exercício dos ensaios, enquanto «estocadas certeiras» ao conjunto de hábitos e práticas de pensamento que repugno. Esclareço: pensar bem não significa pensar como eu. Significa, antes, pensar segundo inferências válidas e sustentáveis. Caso contrário, tornamo-nos reféns de convicções absurdas. Última estocada: de que servem homens de convicções absurdas?». Importa garantir que a Filosofia, «apesar do antigo conflito que a opõe à Política», não sofre de igual remate – «o colapso no mundo presente» traduzido no descrédito da classe política. Faço-o seguro da convivência impossível entre ambas as disciplinas: a Filosofia, enquanto exercício de pensamento, «reflecte um acto interior de cada sujeito». Por sua vez, a Politica, na sua praxis, actua sobre algo ou alguma coisa. Um «mal necessário» à manutenção da vida humana em sociedade.
Comecemos pela fantasia: tomemos o mundo enquanto lugar perfeito pensado e desenvolvido no sentido de organizar indivíduos tendo em consideração «a sua igualdade relativa contrapondo-a às sua relativas diferenças». Suponhamos, a bem da ficção, que o Direito, garante da ordem pela força, serve o cidadão comum, enquanto gerador de conflitos de interesse, ao não ser instrumento das elites dominantes de qualquer organização social. Imaginemos, por capricho pessoal, a globalização, enquanto processo de aproximação planetário, o motor capaz de conceber uma justiça mundial responsável pela promoção da igualdade entre homens. Admitamos que a globalidade de cidadãos do mundo abraça valores, crenças – inimigas da dúvida, logo, proibidas ao léxico filosófico, e certezas comuns, as quais, permitiam um Governo Mundial – cosmopolis, centrado nos interesses autênticos e verdadeiros da humanidade. Eu, um louco convicto, ainda assim, manter-me-ia céptico em relação à bondade do homem. Ainda assim, arriscar-me-ia filosofar: duvidar sempre da perfeição do mundo. Ainda assim, seria descrente perante homens de fé – homens que procuram descobrir algo em que acreditar já que, de si, pouco descobrem de valor, em si, nada há em que acreditar. Ainda assim, permanecia imoral entre homens de ética – criminosos da expressão livre em favor das normas e das regras rígidas do pensamento científico moderno – envergonhar-me-ia, perante este, curva-me: a resistência racional apresenta-se, dos meus instintos, mais próxima que a tolerância. Tornar-me-ia, com certeza – outra inimiga da filosofia: «só os seres superficiais têm certezas profundas», crítico profissional – guardo nomenclaturas de amigos, esta, da autoria do meu caro Nuno Castela Canilho. Empresto, desde já, o meu profissionalismo crítico à opinião.
Deixemos o faz de conta: os homens não são iguais entre si – nem o devem: «há uns mais iguais que outros». As sociedades, umas mais outras menos, com maior ou menor expressão, desenvolvem lógicas de estratificação. Não há, portanto, homens iguais enquanto existir quem governe e quem seja governado. Quem mande e quem seja mandado. Quem exerça o poder e quem lhe esteja sujeito – quanto a isto: estamos conversados. O Direito é o elemento organizador de todas as estruturas sociais do Estado. Contudo, mais não representa senão «o Direito dos mais fortes» – criado e desenvolvido pelos mais fortes para benefício próprio. Em última análise, o Direito que tutela as Democracias Modernas Ocidentais, por mais «aliciantes mas falsas ideias claras que tínhamos», acentua, ou melhor: perpetua, a desigualdade entre os homens. O Estado «por tratar-se de uma instituição hierárquica permite uma oligarquia governante». A sua natureza, dominador ou dominado, director ou emergente, varia em função do poder que cada Estado, por si, exerce sobre outro Estado igualmente considerado. Explicito: os Estados Unidos da América controlam o mundo. Qualquer tomada de decisão americana influencia, directa ou indirectamente, a totalidade dos Estados Soberanos. A Cooperação Internacional para o Desenvolvimento, programa que visa o auxílio dos países desenvolvidos aos países em desenvolvimento, cuja finalidade se prende com o combate às dificuldades económicas e sociais dos segundos, não goza de menor propósito – o seu sentido inicial transformou-se em ausência de sentido. Sejamos claros e incisivos: aos americanos, tal com à totalidade dos países desenvolvidos, nada importa o manifesto subdesenvolvimento de outros Estados. Conspiremos irmãos – aceitam a inconveniência da minha religiosidade lúcida? – contra práticas americanas: o Iraque não dispõe, nem nunca dispôs, de armamento nuclear que colocasse a humanidade sob ameaça global. A ideia de ameaça global foi usada e manipulada pela máquina americana de forma a legitimar uma guerra pela salvação do mundo. Uma guerra pelo petróleo e pela água – «o petróleo do futuro». No essencial, uma guerra pela manutenção da hegemonia mundial. Uma guerra pela perpetuação do poder – a ditadura do poder. A este novo colonialismo, que obriga a «comer» sem «questionar» um modelo cultural dominante, chama-se «americanização do mundo». A globalização não passa da falsa verdade – e da desculpa, de quem não estuda, logo desconhece, o alcance da relação entre Estados. O mundo, até que o contrário se pense – e pior: se afirme, com pouca substância, não é irreversivelmente transformado pela globalização. O poder dos governos nacionais e dos nacionalismos, bem como as disposições geopolíticas permanecem invariáveis e determinam, ainda, as orientações do nosso tempo. Perdoem-me a dureza que, enquanto crítico profissional – guardo nomenclaturas, empresto à crónica.
Precisam-se, com urgência, filósofos estúpidos – se possível estúpidos e loucos: será a loucura antitética da lucidez? Filósofos que produzam ideias estúpidas – homens de convicções absurdas, os quais, tendem a ser contrariados por filósofos menos estúpidos que, por sua vez, produzem ideias, também elas, menos estúpidas. Até à ideia inteligente. «Não é a dúvida mas a certeza que enlouquece». Estou demasiado certo quanto à força da dúvida, logo – hipótese a não desconsiderar, talvez não passe de filósofo estúpido. Ainda assim, presto serviço à humanidade.
André Manuel Vaz