21 de novembro de 2009

O «Day After» das legislativas

Uma observação preliminar: a vitória do Partido-Socialista foi clara, expressiva e inequívoca ainda que, como previsto, poucas dúvidas restavam mesmo aos mais optimistas, tenha efectivamente perdido a maioria absoluta – deveras confundida com «poder absoluto». Não me obsto a afirmar que, não fosse a conjuntura económica internacional desfavorável, sob a qual, durante 4 anos, governou o executivo socialista, não fosse o reformismo profundo, necessário, não menos polémico, na Administração Pública, na Justiça, na Segurança Social – quase em falência técnica –, na Saúde e no Ensino – as controversas aulas de substituição que combateram o laxismo professoral, a pertinência do Inglês e da Musica ministrados no 1º ciclo bem como o «choque tecnológico», do qual, beneficiaram alunos e professores – o PS, com facilidade, via renovada a maioria absoluta alcançada em 2005. Em política, as reformas de fundo custam votos e popularidade.
O executivo socialista, no que à próxima legislatura diz respeito, vê-se obrigado a definir uma nova estratégia de governabilidade outrora assente na prepotência da tomada de decisão e na «ditadura da maioria». Os governos minoritários, privados de maioria parlamentar, estão forçados, ainda que implique desvirtuações ideológicas e cedências, ao diálogo com as restantes forças políticas representadas. O problema reside no seguinte: não há no PS, ainda menos em Sócrates, cultura política de negociação ou de cedência. Pior: no «Partido Sócrates» do «Socialismo de Direita» – tão dialogante que, «no mesmo saco», cabem os «cornos de Manuel Pinho», o «Comunismo reciclado» de Vital Moreira, a «Direita dos Valores» de Freitas do Amaral, o «Esquerdismo» de Alegre bem como o aplauso de Mário Soares e Almeida Santos – não se reconhece, ou não se tem reconhecido, qualquer «lugar-comum» de diálogo onde prevaleça «a força do melhor argumento». Portanto, não vejo o «laicismo militante» de Sócrates negociar com a «família para a procriação» de Manuela Ferreira Leite. Das duas uma: ou dar ouvidos a «revolucionários e radicais de Esquerda» ou trocar argumentos com «conservadores e moralistas de Direita» – uma ressalva: não considero o CDS, ao contrário do que por ai se escreve, um partido radical de Direita visto que, consta da sua base ideológica, muito da Doutrina Social da Igreja Católica. Um conflito por resolver. O Sistema de Governo português, Semi-Presidencialista, pela natureza excessivamente conflitual, tende a condicionar bastante o exercício político dos governos minoritários. Preciso: o primeiro-ministro, no semi-presidencialismo, responde perante o Parlamento e Presidente da Républica. Se o partido de governo detiver maioria parlamentar, o que não acontece nesta legislatura, por si só, sabendo jogar com a disciplina de voto, faz aprovar decretos de lei. O governo de minoria socialista vê-se forçado a negociar entendimentos da Esquerda à Direita porque em causa está a governabilidade do país. A acção do Presidente da Républica, apesar deste não possuir competências executivas, mais ou menos cooperante, têm demasiadas implicações políticas e pode gerar, daí a conflitualidade do sistema, falhas de cooperação institucional – Cavaco Silva chamou-lhe «cooperação estratégica». O Partido-Socialista, privado de maioria absoluta, ou domina o diálogo com inteligência ou é dominado pela força do sistema.
O Partido Social-Democrata, a par do Bloco de Esquerda, noutros moldes obviamente: nunca foi partido de poder muito menos partido de governo, foram os grandes derrotados da noite eleitoral – não há que ter medo de chamar «os bois pelos nomes». Portanto, estão obrigados a repensar a sua estratégia e posicionamento no quadro político nacional. Manuela Ferreira Leite, por uma questão de estratégia – decidir sobre o timing é pensar estrategicamente –, deveria abandonar de imediato a liderança do PSD ao contrário de prolongá-la até Maio de 2010. Torno claro: o PSD pautou-se pelo silêncio concordante duma «Direita a fazer de Esquerda» sem agenda nem programa, sem força nem poder, sem oposição nem alternativa. Ferreira Leite acumulou erros tácticos – era evitada a deslocação à Madeira, a uma semana das eleições, por uma simples razão: a «Ilha de Jardim» já tem uma tradição de voto Social-Democrata. Como se não bastasse, recomendou-a como «exemplo de Democracia» – com erros de natureza política – aquando da campanha, nunca fechou a porta ao eventual entendimento, pós-eleitoral, com a «Direita próxima» tendo, desta forma, perdido votos para Paulo Portas. Um «tango» que o PSD não soube, nem se apercebeu, dançar com o CDS. Neste contexto, porque importa ao PSD, não sendo poder, assegurar o contra-poder, a saída de Ferreira Leite permitiria resolver, o quanto antes, a questão que envolve a sua sucessão. Condição que, em última análise, beneficiava a «estratégia política da nova elite dirigente» quanto à recandidatura de Cavaco Silva. Caso o povo reconduza Cavaco Silva, certezas disso não tenho, e dada a conflitualidade do sistema que permite ao Presidente da Républica, através do Veto Político, condicionar a acção do governo, o PSD ganha tempo e pode reestruturar-se internamente. Um apontamento polémico de futuro: Cavaco Silva, ainda que reeleito em 2011 e apoiado pelo «Máquina Laranja», será bastante menos interventivo, perspectivo eu. Quererá sair pela «porta grande» deixando um legado de cooperação institucional que até agora, do que conhece, raras vezes se verificou. Pouco dará ao partido porque, dele, nada terá a receber. Por agora, com Pedro Passos Coelho na corrida às internas, os corredores do PSD, em voz baixa, vão sussurrando por Marcelo Rebelo Sousa.
Em suma, interessa reter o seguinte: ao Partido-Socialista, num sistema de natureza conflitual, convém a negociação inteligente. O PSD, em fim de ciclo, limitar-se-á a chumbar, sem critério, qualquer proposta do Governo – à boa maneira da oposição contra tudo e todos a que já nos habituaram. O CDS, da «Direita dos Valores», será o parceiro privilegiado com quem o PS negociará se, tendo por base o programa eleitoral socialista, cumprir o caderno de encargos definido por Paulo Portas. O Bloco, excepção feita ao tema do Casamento Homossexual, manter-se-á fiel ao estilo partido protesto. Caso contrário, via o radicalismo crítico colocado em prática, cujos frutos são conhecidos, esvaziar-se. Ao Partido Comunista restam-lhe duas alternativas: ou aproxima-se do PS e toma parte da decisão governativa ou, fechado sobre si mesmo, a médio prazo extingue-se.
O despotismo prepotente de Sócrates dará lugar socialismo do diálogo. Da noite para o dia – quis o povo assim.

Nota: este ensaio, por se tratar de um exercício de reflexão política – onde a verdade mais não goza, senão, dum «momento de verdade» –, encontra-se permanentemente aberto à crítica. «Torna-se-me suspeito tudo quanto é técnico, mesmo que seja a técnica do bem pensar». Portanto, é lícita toda e qualquer discórdia em relação ao que escrevo. Prefiro o debate com os mais capazes ao consenso dos mais amigos.

André Manuel Vaz

17 de outubro de 2009

Torna-se inadiável ler, pensar e analisar criticamente Nietzsche

Parece-me claro o colapso da Política no mundo presente. Importa garantir, apesar do «antigo conflito entre ambas», que a Filosofia, enquanto disciplina de pensamento, não goze igual remate. Há quem defenda, nesse sentido abundam ideólogos, a necessidade de cultivar e desenvolver uma Filosofia Política. No essencial desta proposta, a génese da acção política e o seu exercício, «por incidir sobre algo ou sobre alguma coisa», encontra na Filosofia uma «rampa de lançamento», pois esta, reflecte sempre um acto intelectual interior de cada sujeito. Procurarei, no decorrer deste ensaio, provar a impossibilidade de realização da referida proposta. A convivência, sem «lugares comuns», transforma-se numa impossibilidade.
A promessa da Filosofia Política, mesmo considerando a sua impraticabilidade, não deixa, na teoria, de obedecer a um princípio nobre: nem à Política se subtrai a Filosofia – todo a prática política tem por base ideias, teorias e projectos – nem à Filosofia se subtrai a Política – só o uso admite expressão à ideia. No entanto, os homens comuns, enquanto cidadãos do mundo, o que esperam da Política são respostas a problemas. A Filosofia apenas pode colocá-los. A primeira dirige o seu exercício na procura do efeito enquanto à segunda importa a legitimidade desse efeito – a Política caros leitores será sempre a ciência do resultado. Pior: a pluralidade e a complexidade de questões levantadas pela Filosofia à Politica, na sua praxe, à muito carecem de consequência. Logo, se admitirmos o resultado, o «fim último», enquanto essência que norteia toda a prática política somos abrigados a concluir que a intromissão da Filosofia desordena o seu sentido transformando-a «em ausência do mesmo».
Das duas uma: ou repensamos a Filosofia Clássica e o seu propósito, visto a nulidade do contributo à Politica, ou substituímo-la por uma alternativa. À muito que a Filosofia, como o comum dos mortais a entende, abandonou todo e qualquer espírito de missão. Entregou-se às trevas das dialécticas e daí nunca saiu – a que melhor se reconhece opõe o Bem ao Mal. Propôs-se moralizar o mundo sem perceber que, diz respeito a cada Homem, ao fruto do seu raciocínio, decidir por que Moral optar ou decidir não optar por nenhuma, não ver qualquer sentido na Moral ou criticar o seu propósito. Há, se assim se pode considerar, no que à Filosofia interessa, uma clara crise de resultados. A título de exemplo: o Capitalismo foi sempre uma ideologia dominante e influi os destinos do mundo porque nunca se entregou a dialécticas. Substitui-o a fraqueza dos conceitos, a pluralidade das opiniões e a validade das ideias pela força do «lucro».
Proponho-vos: entendam Nietzsche. Dêem uma oportunidade ao seu pensamento e à missão extraordinária que desenvolveu pelo engrandecer da Filosofia. O autor, o talento e perspicácia da reflexão que desenvolveu, «assinala a reacção poderosa e consistente contra a Filosofia Cultural, contra a Filosofia Científica e contra todo o saber que viva, consciente ou não, da tradição precária». Ao autor: «torna-se-lhe suspeito tudo quanto é técnico, mesmo que seja a técnica do bem pensar, tudo quanto é regra, e principalmente a regra para ser justo e para ser santo». Nietzsche «rompe com toda a espécie de facto, com todo o ídolo ou todo o ideal». O oportunismo da sua obra é tal que lê-la torna-se obrigatório e compreendê-la viciante.
Uma estocada no catolicismo, na religiosidade, na crença infundada: o ópio dos pobres de espírito, na fé inabalável, palavras do autor: «Deus está morto mas considerando o estado em que se encontra a espécie humana, talvez ainda por um milénio existam grutas onde se mostrará a sua sombra».
No que à Filosofia importa, de olhos postos no legado de Nietzsche: duvidar permanentemente, ser crítico, não aceitar nada como verdade absoluta, única ou plena, desautorizar as convicções e combater toda e qualquer tentativa de moralização porque «não há comportamentos imorais em si mas interpretações morais de comportamentos». Caso contrário, a Ciência Moderna «torna tudo demasiado claro para que o possamos ver».

Notas soltas.
Primeira: alguns dos meus leitores, entre os quais amigos próximos, fizeram-me saber que consideram não haver razões de fundo que justifiquem um debate sério e devidamente fundamentado sobre a Pornografia – o qual propus aquando do meu último ensaio. Ainda assim, insisto: Nenhuma descrição do mundo é original. Logo, importa reescreve-lo – escreve-lo novamente, abrir a porta a novas leituras, avançar uma descrição possível. Neste sentido, o Ironista (conceito de Richard Rorty), perito em redescrever coisas e acontecimentos, «origina surpresas, coloca novos problemas, gera sobressaltos argumentativos, fórmula derivas teóricas, torna contingentes noções e crenças, reimprimindo uma nova inteligibilidade às questões». Desta forma, nada garante, ao Ironista, «que a Pornografia, enquanto acto redescritivo do sexo explícito, se apresente mais distante da Alta Cultura que o Romance, a peça de Teatro, o Documentário ou a Fotografia». Entendam caros leitores: a deslealdade intelectual, o pudor e a resistência irracional em nada dignificam quem produz Opinião. Logo, para que dúvidas não restem, prefiro a polémica à omissão. Não há, portanto, temas proibidos que recuse tratar ou sobre os quais me obste a reflectir.
Segunda: Os EUA continuam a tratar-se do «Novo Mundo» onde a Tolerância e a Liberdade norteiam o intelecto de cada cidadão. Tiffany Shepherd – nome artístico: Leah Lust –, antiga professora de Biologia no Estado da Flórida, abandonou as salas de aula para se dedicar à representação. Tornou-se actriz pornô. A teatralidade que empresta ao cinema bem como o profissionalismo dedicado à arte pornográfica abriram-lhe a porta ao sucesso, ao reconhecimento e ao prestígio. Algo que só acontece num país onde «cada Homem se constrói a si próprio».
Uma advertência: sejam críticos em relação ao que penso. Não assumam o que escrevo como verdade absoluta, única ou plena. Nunca foi esse o propósito da minha escrita. Sou mais dado à procura «de caves em andares nobres» – se bem me faço entender. Última provocação: discordem sempre de mim e façam-mo saber, por favor. Significa que me leram, pensaram e analisaram criticamente. Assim o façam com Nietzsche. Torna-se inadiável.

André Manuel Vaz / www.andremanuelvaz.blogspot.com

18 de agosto de 2009

Precisam-se, com urgência, filósofos estúpidos

Proponho-me responder, em tom de monólogo partilhado – reflexão que estabeleço comigo próprio ainda que partilhada com os leitores – à interrogação deixada em aberto aquando do meu último ensaio: «Entendam, caros leitores, a ironia, o sarcasmo, a provocação latente, figuras das quais sistematicamente me socorro no exercício dos ensaios, enquanto «estocadas certeiras» ao conjunto de hábitos e práticas de pensamento que repugno. Esclareço: pensar bem não significa pensar como eu. Significa, antes, pensar segundo inferências válidas e sustentáveis. Caso contrário, tornamo-nos reféns de convicções absurdas. Última estocada: de que servem homens de convicções absurdas?». Importa garantir que a Filosofia, «apesar do antigo conflito que a opõe à Política», não sofre de igual remate – «o colapso no mundo presente» traduzido no descrédito da classe política. Faço-o seguro da convivência impossível entre ambas as disciplinas: a Filosofia, enquanto exercício de pensamento, «reflecte um acto interior de cada sujeito». Por sua vez, a Politica, na sua praxis, actua sobre algo ou alguma coisa. Um «mal necessário» à manutenção da vida humana em sociedade.
Comecemos pela fantasia: tomemos o mundo enquanto lugar perfeito pensado e desenvolvido no sentido de organizar indivíduos tendo em consideração «a sua igualdade relativa contrapondo-a às sua relativas diferenças». Suponhamos, a bem da ficção, que o Direito, garante da ordem pela força, serve o cidadão comum, enquanto gerador de conflitos de interesse, ao não ser instrumento das elites dominantes de qualquer organização social. Imaginemos, por capricho pessoal, a globalização, enquanto processo de aproximação planetário, o motor capaz de conceber uma justiça mundial responsável pela promoção da igualdade entre homens. Admitamos que a globalidade de cidadãos do mundo abraça valores, crenças – inimigas da dúvida, logo, proibidas ao léxico filosófico, e certezas comuns, as quais, permitiam um Governo Mundial – cosmopolis, centrado nos interesses autênticos e verdadeiros da humanidade. Eu, um louco convicto, ainda assim, manter-me-ia céptico em relação à bondade do homem. Ainda assim, arriscar-me-ia filosofar: duvidar sempre da perfeição do mundo. Ainda assim, seria descrente perante homens de fé – homens que procuram descobrir algo em que acreditar já que, de si, pouco descobrem de valor, em si, nada há em que acreditar. Ainda assim, permanecia imoral entre homens de ética – criminosos da expressão livre em favor das normas e das regras rígidas do pensamento científico moderno – envergonhar-me-ia, perante este, curva-me: a resistência racional apresenta-se, dos meus instintos, mais próxima que a tolerância. Tornar-me-ia, com certeza – outra inimiga da filosofia: «só os seres superficiais têm certezas profundas», crítico profissional – guardo nomenclaturas de amigos, esta, da autoria do meu caro Nuno Castela Canilho. Empresto, desde já, o meu profissionalismo crítico à opinião.
Deixemos o faz de conta: os homens não são iguais entre si – nem o devem: «há uns mais iguais que outros». As sociedades, umas mais outras menos, com maior ou menor expressão, desenvolvem lógicas de estratificação. Não há, portanto, homens iguais enquanto existir quem governe e quem seja governado. Quem mande e quem seja mandado. Quem exerça o poder e quem lhe esteja sujeito – quanto a isto: estamos conversados. O Direito é o elemento organizador de todas as estruturas sociais do Estado. Contudo, mais não representa senão «o Direito dos mais fortes» – criado e desenvolvido pelos mais fortes para benefício próprio. Em última análise, o Direito que tutela as Democracias Modernas Ocidentais, por mais «aliciantes mas falsas ideias claras que tínhamos», acentua, ou melhor: perpetua, a desigualdade entre os homens. O Estado «por tratar-se de uma instituição hierárquica permite uma oligarquia governante». A sua natureza, dominador ou dominado, director ou emergente, varia em função do poder que cada Estado, por si, exerce sobre outro Estado igualmente considerado. Explicito: os Estados Unidos da América controlam o mundo. Qualquer tomada de decisão americana influencia, directa ou indirectamente, a totalidade dos Estados Soberanos. A Cooperação Internacional para o Desenvolvimento, programa que visa o auxílio dos países desenvolvidos aos países em desenvolvimento, cuja finalidade se prende com o combate às dificuldades económicas e sociais dos segundos, não goza de menor propósito – o seu sentido inicial transformou-se em ausência de sentido. Sejamos claros e incisivos: aos americanos, tal com à totalidade dos países desenvolvidos, nada importa o manifesto subdesenvolvimento de outros Estados. Conspiremos irmãos – aceitam a inconveniência da minha religiosidade lúcida? – contra práticas americanas: o Iraque não dispõe, nem nunca dispôs, de armamento nuclear que colocasse a humanidade sob ameaça global. A ideia de ameaça global foi usada e manipulada pela máquina americana de forma a legitimar uma guerra pela salvação do mundo. Uma guerra pelo petróleo e pela água – «o petróleo do futuro». No essencial, uma guerra pela manutenção da hegemonia mundial. Uma guerra pela perpetuação do poder – a ditadura do poder. A este novo colonialismo, que obriga a «comer» sem «questionar» um modelo cultural dominante, chama-se «americanização do mundo». A globalização não passa da falsa verdade – e da desculpa, de quem não estuda, logo desconhece, o alcance da relação entre Estados. O mundo, até que o contrário se pense – e pior: se afirme, com pouca substância, não é irreversivelmente transformado pela globalização. O poder dos governos nacionais e dos nacionalismos, bem como as disposições geopolíticas permanecem invariáveis e determinam, ainda, as orientações do nosso tempo. Perdoem-me a dureza que, enquanto crítico profissional – guardo nomenclaturas, empresto à crónica.
Precisam-se, com urgência, filósofos estúpidos – se possível estúpidos e loucos: será a loucura antitética da lucidez? Filósofos que produzam ideias estúpidas – homens de convicções absurdas, os quais, tendem a ser contrariados por filósofos menos estúpidos que, por sua vez, produzem ideias, também elas, menos estúpidas. Até à ideia inteligente. «Não é a dúvida mas a certeza que enlouquece». Estou demasiado certo quanto à força da dúvida, logo – hipótese a não desconsiderar, talvez não passe de filósofo estúpido. Ainda assim, presto serviço à humanidade.


André Manuel Vaz

17 de julho de 2009

Crepúsculo do homem bom

«Será que nós, os imoralistas, fazemos mal à virtude? – tanto quanto os anarquistas prejudicam os príncipes. Só depois de terem sido atingidos de novo se sentam firmemente nos seus tronos. Moral da história: à que disparar contra a moral». Começo, não me permitia o contrário, por «disparar» contra a moral, contra a benevolência, contra a pureza, contra verdades feitas – e reditas pelo calão científico do qual somos «filhos legítimos», que ordenam a acção humana desordenada em si mesmo. Porque «só é novo o esquecido», eu explícito: a visão distorcida que desenvolvemos, quanto aos fenómenos envolventes da humanidade, acontece enquanto a acção do Homem for pensada e equacionada numa lógica de bondade e segundo um conjunto de sedutoras mas falsas ideias claras – perdoem-me a incómoda mas propositada incoerência – relativas à sua natureza e condição.
Primeira verdade: a natureza má do ser humano corresponde à luta permanente pelo poder. Tudo é poder ou vontade de poder. A maldade, traduzida na indisciplinada vontade de poder, é o pano de fundo que sustenta toda a acção do homem em sociedade. A esta verdade imprópria equivale a colossal mentira, alimentada e cultivada por grande parte pensamento ocidental – fruto do raciocínio de «monstros sagrados» que parasitam entre nós e contra os quais nos revelamos incapazes de «disparar», de que o homem é intrinsecamente bom. Entenda-se: ao perspectivar-se o Homem segundo uma lógica de bondade intrínseca considera-se, portanto, as estruturas sociais o motor da sua perversão, sendo estas, capazes de provocar conflitos no seio da sociedade em que vive. Importa, considero eu, optar entre o Homem e o Estado – as estruturas sociais, enquanto enredo tétrico, impedem o ser humano de se libertar. O primeiro é o «valor supremo», em torno do qual, se criam tais instituições. Ao considerar-se que estas o «diminuem» é terminante destruí-las. Em sociedade, os homens, verdadeiros animais políticos, são «lobos uns dos outros» e podendo «comem-se» mutuamente. Esta incómoda mas prudente verdade, ainda que devidamente institucionalizada, resume a lei da vida enquanto lei da sobrevivência – Darwin chamou-lhe «selecção natural».
Segunda verdade: os filósofos iluministas do século XVIII, curvemo-nos perante suas excelências – a assustadora tendência do homem disciplinado e acrítico, partidários do pensamento lógico e da cientificidade comprovavel, perpetuam a sua autoridade nas democracias modernas ocidentais. Perpetuam na medida em que são, mais ou menos continuadamente, as referências de pensamento filosófico que norteiam as diversas concepções que desenvolvemos relativas à condição humana. São, como pensou e escreveu Edmund Burke, «os audaciosos experimentadores da nova moral». Deles, imana a confiança total e ilimitada nas capacidades da razão humana e, por eles, se rejeita tudo o que se lhe oponha. Permitam-me resistir – devo, quero e posso resistir. O que me resta? O elogio da irregularidade.
Este ensaio, na linha de Nietzsche, dirige-se a quem, como eu, prefere «ser sátiro a ser santo». A quem, como eu, prefere caminhar pelos próprios pés. Aos que, como eu, preferem a «verdade independente», ou a sua recusa, às «aliciantes mas falsas ideias claras». Aos que, como eu, tendem a «disparar contra a moral» sem nunca fazer mal à virtude.

Notas Soltas:
Entendam, caros leitores, a ironia, o sarcasmo, a provocação latente, figuras das quais sistematicamente me socorro no exercício dos ensaios, enquanto «estocadas certeiras» ao conjunto de hábitos e práticas de pensamento que repugno. Esclareço: pensar bem não significa pensar como eu. Significa, antes, pensar segundo inferências válidas e sustentáveis. Coso contrário, tornamo-nos reféns de convicções absurdas. Última estocada: de que servem homens de convicções absurdas?

André Manuel Vaz

29 de junho de 2009

Marcas do tempo: um ensaio politicamente incorrecto.




Sejamos claros: é inegável o facto de vivermos um mundo «pós-global». A globalização, enquanto processo de aproximação planetário, foi sempre entendida como oportunidade. Desta forma, não outra, interpreto a sociedade portuguesa do «pós 25 de Abril». A oportunidade transformada na oportunidade de ameaça ou, na melhor das hipóteses, na oportunidade do desafio. As revoluções, ainda que o contrário se entenda, não acabam com os problemas. Substituem-nos. O capitalismo selvagem, como o cultivámos e absorvemos, diluiu a «litigância de Abril». Hoje, o país depara-se com a sociedade de bem-estar generalizado, adepta do consumo e da indolência. Portugal não respira Democracia. A igualdade deu lugar ao igualitarismo. A tolerância tende a desaparecer. A participação política está elitizada e a liberdade propriedade da aristocracia – os portugueses não querem ser livres mas iguais aos outros. Qual é, afinal, recupero a pergunta de partida de Karl Popper, «o inimigo principal da sociedade aberta» portuguesa?
O Ensino Público tal o pensámos e desenvolvemos. A escola, enquanto Instituição capaz de formar cidadãos conscientes e críticos, reúne «professores de passatempo» e «alunos de recreio». Os primeiros não sabem o que ensinar porque, durante anos a fio, a Educação centrou todas as atenções na Pedagogia – reitero a crítica de Hannah Arendt: «saber como não significa necessariamente saber o quê». Os segundos não sabem escrever porque não sabem pensar, visto que, a primeira condição depende da segunda. Posto isto, sobressai uma constatação óbvia: os alunos portugueses não sabem «pensar em dialéctica» porque a Escola, empilhada de Magalhães e quadros interactivos, não os obriga à crítica, ao contraditório, à reflexão e problematização de conceitos. Esta forma de pensar a Escola e a Educação força à «aprendizagem do ficheiro» fornecida pelo computador. Os quatro anos de governação socialista, em matéria de Educação, mais não fizeram senão entregar o pensamento à Maquinaria tecnologia e o suporte ao Estudante. Cómico mas real.
A Escola precisa urgentemente de compreender Vygotsky na teoria da «Zona de Desenvolvimento Proximal». O autor defende a existência de duas áreas distintas de conhecimento. A Área Real, engloba o conjunto de capacidades que o aluno detém efectivamente sendo capaz, por si próprio, de aplicar, e a Área Potencial, correspondente às competências que o aluno só desenvolve em competição permanente, pela comparação e auxílio de alguém tão ou mais desenvolvido. Advogo, tendo por base estas premissas, que as escolas organizem os estudantes segundo «Turmas de Nível». Turmas que permitam agrupar alunos de capacidades semelhantes estando estes em permanente competição e incidindo a aprendizagem, como entende Vygotsky, sobre a Área Potencial. O modelo das turmas heterogéneas, fruto da macabra liberdade de Abril, apresenta-se ineficaz. Explícito: quando se reúnem alunos de capacidades dissemelhantes os bons não tem qualquer estímulo a serem melhores. A competição perde-se. A comparação é despropositada e o professor, ainda que não queira, vê-se obrigado a baixar o nível de exigência. Negligenciar as diferenças intelectuais que nos separam significa não perceber, como advertiu Rawls, «o facto de o Homem ser produto da natureza torna-o desigual. Uma lotaria incontrolável». Uma ressalva: a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia consagra, no artigo3º, o direito à integridade do ser humano, passo a citar, «A proibição das práticas eugénicas, nomeadamente das que têm por finalidade a selecção das pessoas». Em síntese, as «Turmas de Nível» seriam um passo afrente na Educação mas um passo atrás na Democracia. Uma questão que merece ser discutida com elevação intelectual considerando, «sem ódios nem paixões», os prós e contras.
Posto isto, o país caminha sem destino. A Educação não preocupa os portugueses. Não admira que a classe política se revele incapaz pois esta, no limite, emerge da sociedade civil, também ela, impreparada. Aos portugueses importa assegurar, desculpem algum radicalismo, o passei de fim-de-semana no centro comercial, o bilhete para o jogo de futebol e as férias no Algarve, de preferência no mês de Agosto. Como se habituaram a fazer meia dúzia de aristocratas ingleses reformados. Viva Portugal.

P.S. Há práticas que não entendo. Melhor, entendo mas não percebo nem subscrevo. O Jornal da Mealhada, edição de 20 de Maio de 2009, notícia: «O primeiro número da revista VIA – uma publicação da JM – Jornal da Mealhada, Lda – fez parte do lote de livros e edições sugeridos pelo Professor Marcelo Rebelo de Sousa, no seu programa televisivo semanal, de 17 de Maio de 2009, “As Escolhas de Marcelo”, exibido nas noites de Domingo, na RTP 1». Na mesma coluna noticiosa, acrescenta: «Marcelo Rebelo de Sousa, o mais importante comentador político português sugeriu a VIA…». Pergunto: ao considerar o professor Marcelo Rebelo Sousa o mais importante comentador político português, num espaço informativo e presumivelmente isento, que critérios serviram de base ao JM que fundamentem tal consideração? É lamentável o jornalismo das apreciações. Omitir o que penso, «logo existo», seria colaborar silenciosamente com o mau jornalismo produzido em Portugal do qual, por laxismo e indolência, nos habituamos a «comer sem questionar». Era desejável que o JM, com o qual colaboro com orgulho, na pessoa do director Nuno Castela Canilho, do qual sou amigo, veja neste meu reparo, sincero, a oportunidade de acrescentar qualidade ao jornal. Parafraseando Artur Moura, pensador tão incompreendido quão oportuno, «prefiro os que me criticam porque me obrigam a ser melhor, aos que me elogiam, pois estes, tendem a corroer-me». A cobardia, em particular a intelectual, é a pior forma de viver em Democracia.


André Manuel Vaz

9 de maio de 2009

Duas ou três Brancas de Neve, o resto, ainda que pintados de cor semelhante, são anões senhor presidente, nada mais.




Começo, não me permitia o contrário, por agradecer ao meu querido amigo e confidente Diogo Santos, que muito estimo e admiro, o convite, que por amabilidade e reconhecimento me dirigiu, no sentido de integrar a lista candidata ao Núcleo de Ciência Política do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. Convite, que por decência e autonomia intelectual, recusei, ou melhor, fui obrigado a recusar.
Esta é, não mais, em tom de monólogo partilhado, a reflexão que estabeleço comigo próprio – se me é permitida a redundância, acerca da minha recusa. Devo e quero tornar públicas as razão que estão na sua base para que, de futuro, a integridade não se confunda com traição.
A lista para a qual foi convidado, tal como está, reúne dois ou três elementos esclarecidos – no seguimento do pensamento de Kant «homens capazes de caminhar pelos próprios pés», a que se juntam, por conveniência do esclarecimento de dois ou três, meia dúzia de «figurantes de telenovela» que mais não fazem senão repetir, vezes sem conta: «Yes Mr President».
Perceba senhor presidente: eu remeto-me à minha redoma porque nela sou livre de pensar sem as «amarras do sistema». Nela, discuto, ainda que comigo mesmo, ideias e não lugares. Desfruto, em conforto, da elegância da razão. Recuso ser útil pela natural inutilidade de quem vos acompanha. Corrijo: de quem vos é conveniente fazer-se acompanhar. Sabe senhor presidente: eu, ao contrário da prática de dois ou três ditadores esclarecidos, não entendo aqueles que não são por mim como sendo contra mim. Eu, por convicção, não reprimo a diferença nem me faço valer de «jogos de corredor». Entenda senhor presidente: eu prefiro o debate com os mais capazes ao consenso dos mais amigos. São estas as diferenças de percepção da vida e do mundo que nos separam.
Ainda que relutante, perceba senhor presidente: eu vergo-me à razão mas jamais ao capricho.

Duas Notas.
Primeira: Quando Nuno Pereira sair da presidência do Núcleo de Ciência Política que o faça com consciência que o seu trabalho e dedicação produziram frutos. Que a sua conduta de esforço e empenho inspire quem depois dele vier.
Segunda: Decorreram, dentro do espírito democrático, as eleições para o Núcleo de Estudantes de Relações Internacionais do já referido instituto. Os alunos votaram em conformidade com a sua vontade. Discutiram-se ideias e propostas num debate anterior ao acto eleitoral que opôs as duas listas candidatas. Percebe-se, com clareza, a importância de programas eleitorais discutidos e não encomendados. São estas manifestações, de respeito pela diferença, que tornam o NERI, por tradição, mais competente, democrático e tolerante que o NCP. Uma verdade inconveniente.

André Manuel Vaz

26 de fevereiro de 2009

A revolução e a pós-revolução

Ao explicar qualquer tipo de fenómeno revolucionário a Ciência Política, enquanto estudo do poder organizado, vai ao encontro do truísmo: «todas as revoluções são pós revolucionárias». Neste sentido acredita-se que a revolução não se substancia em si mesma mas na expressão das mudanças que dela advém. Começo a olhar com resistência este axioma.
Terça-feira, 19 de Janeiro de 2009, Washington, mais de dois milhões de pessoas assistiram à tomada de posse de Barack Obama. Embalado ao som de «My Country, tis of thee», de Aretha Franklin, e já sem os dispensáveis panfletos, fundo azul-bebé, onde se subscreve, preto carregado, «Change We Need», o novo presidente discursou para quem o elegeu: classe media e minorias.
Um discurso marcado pela recuperação, bem conseguida, do Liberalismo Moderado de Jonh Rawls – há quem o considere Liberalismo Social-democrata ou igualitário. Liberalismo Moderado na medida em que garante os direitos fundamentais dos cidadãos primando este princípio sobre o da aceitação da redistribuição desigual quando esta favorece os mais desfavorecidos. Rawls acredita que a natureza gera desigualdades, uma lotaria incontrolável, as quais a sociedade deve corrigir a fim de garantir, que os menos capazes, se encontrem em situação de igualdade de oportunidades. Este teórico, cuja obra mais conhecida: «A Theory of Justice», considera que sob um véu de ignorância – momento hipotético onde indivíduos, que se desconhecem enquanto seres, são obrigados a decidir sobre os fundamentos reguladores da sociedade – escolhem princípios de igualdade e de correcção do desigual. Há em Rawls um darwinismo encoberto e a crença, ainda que não assumida, na selecção natural que a sociedade de homens racionais deve dirimir.
Uma certeza sem propósito: a Ciência Moderna – responsável pela criação dos funcionários cegos da técnica, tratou de relegar as teorias da superioridade racial, do século XIX, para o baú das recordações indesejáveis da Velha Ciência – concepção assente na divisão dos seres humanos em diferentes raças, de complexidades diferentes, onde o mundo tido como estático e criado por Deus existia sob a aura da perfeição. No seguimento do pensamento de Nietzsche: «Os inimigos da verdade não são as mentiras mas as convicções» e no reflectir sobre o Ironismo de Rorty onde se considera não haver abordagens privilegiadas da realidade vejo-me obrigado a reconhecer que diferenças existem entre grupos humanos, não genéticas mas de percepção do mundo, face ao modelo cultural dominante que tende para ser o Ocidental. Uma situação de privilégio para quem o perfilha.
Barack Obama, num mundo complexo e de pilotagem automática, onde os mecanismos de decisão nem sempre se encontram sobre a tutela dos Estados Soberanos será a revolução sem mudança. A mudança sem força de expressão. Um paliativo indigesto – peço desculpa pelo manifesto pessimismo pois não acredito na política da verdade fora do princípio de «Fim último» de Maquiavel. Reconheço, contudo, a contra-corrente desta minha visão face à esperança da comunidade mundial.

André Manuel Vaz

1 de fevereiro de 2009

Definição

Enquanto defino
Redefino o todo
Enquanto Penso
Flutuo indefinido.

Se penso
Não defino
Se flutuo
Redefino.

Definindo
Então penso
E pensando
Não defino.

Pensando mais que definindo
Não penso
Nem defino
Vou pensando.

Pensando
Então defino
Se penso
Flutuo indefinido.

A definição que define
Nem o é nem o exprime
Mais não é que pensar
E pensar não define.

Se exprimo
Então penso
E pensando
Não defino.

Se pensar define
Compreender é exprimir
Se penso exprimindo
Pensar é definir.

Flutuo indefinido
A definição não define
Nem o é nem o exprime
Muito menos o define
E eu flutuo.

Franco Infante de Melo

23 de dezembro de 2008

«Contingência, Ironia e Solidariedade»

Poderá a Pornografia, ou a Ciência Pornográfica, enquanto acto redescritivo (conceito de Richard Rorty) do sexo explícito, estar tão próxima da Alta Cultura como o Romance, a Peça de Teatro, o Documentário ou a Fotografia?

Em «Contingência, Ironia e Solidariedade», Richard Rorty, explora a tensão «entre perfeição individual e a responsabilidade social, entre a arte e a filosofia radical ou entre a arte, enquanto desenvolvimento de uma consciência individual, só por si, e a necessidade de pôr de lado os assuntos particulares, de cada um, em benefício do interesse público».
O autor começa por se demarcar da abordagem filosófica platónica — filosofia sistemática. Este modelo entende a filosofia como a tentativa continuada na procura da verdade absoluta, alheia à Historia, exterior ao sujeito e à linguagem, logo, fora do campo contingente. Uma verdade capaz de atingir a essência da realidade e a natureza intrínseca das coisas. Rorty propõe a filosofia edificante — corrente de pensamento que abandona o mito platónico assente na ideia de que os Homens têm elementos comuns à partida— absorvida pelo pormenor, pela conversação e pela ironia contingente.
O autor introduz a figura do Ironista (conceito próprio), alguém que levanta dúvidas profundas sobre o vocabulário a utilizar, hábitos e crenças dominantes da sua cultura. Alguém que coloca o Mundo num «plano funcional» e compreende a verdade como «um momento de verdade». O Ironista, à maneira de Rorty, concebe o mundo funcional na «verdade situada», contingente, e inteligível exibindo algum cepticismo relativamente às abordagens privilegiadas no conhecimento da realidade.
O Ironista é um especialista em redescrever — o seu método por excelência. Redescrever significa abrir uma porta para o inteligível, avançar com uma descrição possível, não como única ou plena, mas passível de derivações, variações e «contra-variações». Perito em redescrever coisas e acontecimentos, o Ironista, origina surpresas, coloca problemas, gera sobressaltos argumentativos, fórmula derivas teóricas, torna contingentes noções e crenças, «reimprimindo uma nova inteligibilidade às questões». Richard Rorty constata que as sociedades democráticas, habituadas a pensar por contrários, colocam a dialéctica segundo contrários desligados e antagónicos. Rorty busca a possibilidade de realidades contrárias se tocarem, cruzando-se no campo contingente estando sujeitas, constantemente, a novas inteligibilidades.
Neste sentido, ao falar-se em redescrição — nova descrição — reconhece-se que nenhuma descrição do mundo é original. Desta forma, após a queda de descrição original, nada garante, ao Ironista, que a Esquerda seja mais conservadora e a Direita mais liberal, que os realistas estejam mais próximos da realidade que os utópicos, que a ciência é mais verdade que a fantasia, que o pensar é antitético do agir, que o bem representa valor hierarquicamente superior ao mal, que a razão detenha privilégio lógico e a emoção repentismo, que a liberdade se manifeste contrária à repressão, que os especialistas compreendam melhor que os leigos, que o complexo é menos perceptível que o simples, que a consciência concorra na certeza e a inconsciência na perversidade e que a Pornografia, enquanto acto redescritivo do sexo explícito, se apresente mais distante da Alta Cultura que o Romance, a Peça de Teatro, o Documentário ou a Fotografia.
No essencial da minha Ironia, ao estilo de Rorty, recupero a figura de João Carlos Oliveira Saldanha(Duque de Saldanha). Adepto devoto do Cartismo e contestatário dessa tendência. Mais tarde militante dedicado de Costa Cabral e posteriormente contra-cabralista. Oliveira Saldanha, no seu pacifismo revolucionário, é considerado um traidor histórico. A minha Ironia permite-me perceber Oliveira Saldanha como alguém, que ao redescrever-se, se reinventou permanentemente.
Oliveira Saldanha foi sempre tudo e o seu contrário. Não foi pornográfico. Sou eu. Ironia.

André Manuel Vaz

4 de dezembro de 2008

Os medos da «ditadura provisória»

Do exercício político de Manuela Ferreira Leite, à frente do partido Social-Democrata, fica a intenção, pouco feliz, de suspender um regime democrático continuado por uma ditadura provisória. Ferreira Leite entende que a Democracia, compreendida como o Governo do diálogo, da cedência e da negociação, impossibilita qualquer movimento reformista profundo. O apelo à «ditadura provisória» foi recebido, com simpatia e amabilidade, no jantar da militância adepta, onde o discurso, palanque improvisado, foi correspondido, em uníssono, pelo corro de aplausos. O discurso e a natural ovação parecem ter caído bem entre a gente da «Máquina Laranja». Haja inconsciência.
As Democracias modernas, por serem pervertidas, ou como alguns preferem compreender, por assumirem a promessa de Maquiavel – compreende a política como resultado final e não como veículo onde os fins justificam os meios – realizam-se na manutenção do poder. Desta forma o objectivo último de quem está no poder é manter-se no poder. Quem manda quer continuar a mandar. Uma linhagem desviante e assustadora para quem, como eu, têm na Democracia, enquanto sistema político, o reconhecimento da legitimidade de exercício político.
O PSD vê-se abrigado à oposição comodista e silenciosa, típica do melhor cavaquismo, que ganha substância e adquire forma na ideia: a convergência institucional permite a oposição pela linha de Belém. A chegada à liderança do PSD, de Manuela Ferreira Leite, afigura que o messianismo salvador, como a Direita o conhece e desenvolveu, está bem vivo e recomenda-se. Com a consideração de sempre.
O caminho de Maquiavel – o da razão de Estado: entende que a acção do Estado deve assumir um carácter amoral no sentido de garantir a maximização do interesse próprio porque, como esclarece o autor, o Estado abdica de tudo menos da sua sobrevivência – esbarra no contrapeso do poder: a resistência. Onde há poder há resistência. Manuela Ferreira Leite com a pouca habilidade política que dispõe, a que se lhe conhece, terá de silenciar a ala liberal progressista, afecta a Pedro Passos Coelho, sempre pronta para o assalto à liderança. Na calha a facção liberal romântica, afecta a Pedro Santana Lopes, disponível para o combate político. Uma terceira via a considerar, na qual eu pouco acredito, reside no surgimento do Partido Liberal como movimento marginal dentro do PSD e que, em hipótese, divide o partido entre conservadores e progressistas. Fantasia tão propositada quão incapaz de Alberto João Jardim.
A Democracia prossegue fragilizada por entre os medos da «ditadura provisória», a qual, o PSD propõe. Para lá da solução messiânica, do regresso do salvador e da pilotagem das elites há mais Direita e mais PSD. Por agora os corredores do partido, de si para si, vão sussurrando: Marcelo Rebelo Sousa. Resta saber até quando.
Fica a provocação, com intuito explícito e obsceno de provocar – peço desculpa pela intencional redundância, de um dedicado democrata: se a Democracia já vale tão pouco, ou mesmo nada, que os contestatários apresentem alternativas ao regime.

André Manuel Vaz

Retrato

Esta coisa de ser coisa que não sou
É coisa de outra coisa
De outra coisa que fui
Coisa que já não sou.

Que coisa sou eu?
Resultado de outra coisa
Coisa menos minha
Mas coisa do meu eu.

Enquanto coisa minha
A coisa de não ser coisa
É coisa de outra coisa
Coisa de Deus
Ou coisa que ele deu
E se deu eu não tinha.

Entre uma coisa e outra
Há coisa, há coisa, há coisa
Na inquietude do meu eu
Sou mais coisa menos coisa
E coisa que não sou eu.

Franco Infante de Melo

17 de novembro de 2008


O provocar de mim próprio

Provoco-me irrequieto
Ao excitar da mente
Entre palavras soltas e pensamentos
Sou mais de mim
Dissidente.

Provocam-me as palavras
No entrelaçar da razão
Sou mais de mim
Sou menos mente
Mais coração.

Deixo-me provocar
Pensar, a provocação premente
Provoco-me irrequieto
Provocam-me as palavras
Sou menos razão
Sou mais coração
Inquieto dissidente.

Provoco as palavras
Provocar-me-ão elas a mim?
Indomável turbilhão
Enquanto dissidente
Sou menos mente
Mais coração.

Provoco-me, a mim
Repetição resistente
Enquanto dissidente
Sou mais de mim
Mais coração
Menos mente.

Provoco, provoco, provoco
Provoco-me irrequieto
Sou menos razão
Provocam-me as palavras
Menos mente
Deixo-me provocar
Mais coração
Provoco as palavras
Dissidente
Sou mais de mim?
Conheço presente.

Franco Infante de Melo

16 de novembro de 2008

O vazio

Enquanto o mundo discute, os seus destinos, entre dois homens – Barack Obama e John Mccain – vamos vivendo na sombra. Há que recuperar a máxima «em política as ideias não precisam ser úteis mas parecer úteis».
Fica na retina, contudo, as vozes gritantes da mediocridade intelectual que entende existir a unidade necessária, em torno do primeiro candidato afro-americano à casa branca, Barack Obama, capaz de mudar o curso da história e da humanidade. Fantasia tétrica. O candidato democrata não é mais que o vazio de ideias entre o seu sorriso bonito e contrastante, percebe-se porquê, e o discurso eloquente, claro está, que pompeia.
A campanha pobre, de pensamento e propostas, alimentada pelo recrutamento da militância adepta, do devaneio, claramente apostada na distribuição de panfletos, fundo azul-bebé, onde se subscreve, preto carregado, a mensagem: «Change We Need». O vazio da mensagem, macabro, de quem quer vender a ideia, pouco fundamentada, de que John Mccain representa a continuação da política Bush, em matéria de linhagem externa, a que coloca a América na guerra pela «salvação do mundo» contra um povo apostado em experiências limite.
O paliativo, preocupante, reside no argumento, ou como alguns preferem chamar-lhe, contra-argumento: o racismo proveniente dos totalitarismos do século XX, irracionais e criminosos, deu lugar ao «racismo moderado» das sociedades democráticas modernas. Sociedades cujo triunfo, constatação inquietante, reside no «mal necessário» da pobreza e discriminação serem minoritárias. Um «racismo moderado» que permite, a diferentes raças, a convivência num mesmo espaço de relação e que tolera a integração étnica. O que não tolera é a deriva na liderança da América e dos destinos do mundo.
O vazio impôs-se e os americanos, tal como nós, deixaram de pensar. As heresias dos crentes e os sonhos de Martin Luther King prevalecem. Haja loucura.

André Manuel Vaz

25 de outubro de 2008

A promessa da política

«A promessa da política é a que aponta para a possibilidade de realização de uma forma específica de liberdade do mundo humano; não aquela que deriva da natureza humana, mas a que se impõe a essa natureza no espaço criado pelo relacionamento humano».
Na tentativa de compreender a realidade política global e as possibilidades da política, Hannah Arendt, desenvolve um exercício crítico onde coloca, no centro do debate, a questão do senso comum, da filosofia, do medo, da liberdade, do Homem político, do pessimismo antropológico, de Deus e do Homem como motor de construção. Em «A Promessa da Política», a autora, entende que existe um domínio, que se estabelece entre a natureza bruta do Homem e o «isolamento de Deus», no qual se pode fruir a verdadeira liberdade. Uma liberdade específica que se impõe no espaço criado pelo relacionamento humano. Segundo a autora, essa liberdade específica, adquire substância na ideia: «nem forçados por nós próprios, nem dependentes de condições prévias da existência material». Esse domínio, como alerta Hannah Arendt, aponta para a «necessidade» de criação de um «espaço intermédio» de convivência que não brota da essência humana mas da interacção entre os Homens.
«O colapso do senso comum no mundo presente assinala que a filosofia e a política, apesar do antigo conflito que as opunha, sofreram a mesma sorte». Enquanto a filosofia, como exercício de pensamento, reflecte um acto interior de cada sujeito a política e o seu exercício actuam sobre algo ou sobre alguma coisa. Uma verdade, parece-me, indesmentível. O contacto entre as duas disciplinas torna-se difícil mesmo quando se percebe que ambas tocam lugares comuns. Há, também, na análise da autora, uma visão negativista sobre a utilidade do senso comum na política. O meu desacordo consiste no facto de entender que a razão, como instrumento analítico, não consegue escrutinar toda a realidade. Nesse sentido o senso comum confere, ao Homem, um sentimento de conforto intelectual. Esse sentimento de conforto intelectual constitui o garante, do mesmo, puder desenvolver reflexões mais complexas.
Hannah Arendt considera o medo e a liberdade condições de difícil coabitação. Explicito: A ausência de lei, ou resulta de «democracias pervertidas», a tal ponto que «a força de uma lei anula a força de outra», ou «fica a dever-se à usurpação dos meios de violência por parte de um tirano». Em qualquer dos casos, a partir «da privação de poder geral», surge o medo e perde-se a «artificialidade». «As tiranias estão condenadas porque destroem a reunião dos homens: isolando os homens uns dos outros, destroem a pluralidade do Homem». As problemáticas poder-nos-ão parecer desajustadas pois as democracias modernas à muito que deixaram de colocar, na esfera pública, a questão da reunião e do medo como foco de debate. O que não significa que deixe de as analisar. Todo o poder que tem como sede legitimadora o medo tende a fracassar. Exemplo disso o fim das ditaduras ocidentais e o termo dos projectos comunistas.
«O Homem é apolítico». Hannah Arendt lembra que a manutenção dos mitos conduz o homem à menoridade culpada. Explicito: incapacidade de usar, livremente, do seu próprio entendimento. Esta fuga à menoridade culpada permite-lhe perceber que o Homem não é por natureza político nem tem nada de político na sua essência. A política não brota do Homem mas da sua interacção. Daí a ideia de que a política e a liberdade não são coisas em si mesmas mas construções. «Trata-se da guerra da revolta de cada um contra todos os outros, que são odiados porque existem sem sentido, sem sentido para o Homem criado à semelhança do isolamento de Deus». A concepção pessimista antropológica hobbesiana – o Homem é mau por natureza – é apontada como a responsável pela construção dum espaço intermédio de convivência humana. Elucido: O Homem entregue a si mesmo tende para a brutalidade e para o despotismo. O estado de Brutalidade ou como prefere chamar-lhe Hobbes, «de natureza», aspira ao domínio do Homem pelo próprio Homem. Essa construção intermédia de convivência é a que se estabelece entre a natureza bruta do Homem e a perfeição de Deus. Os Estados são organizações humanas que tendem para condições de domínio intermédio onde o Homem pode fruir a liberdade e onde a acção política, ao cumprir a sua promessa – criação de um espaço de liberdade comum ao Homem – organiza indivíduos diferentes tendo em consideração «a sua igualdade relativa e contrapondo-a às suas relativas diferenças». Percebe-se, pois, que a tendência dos seres humanos para a reunião – «quer a título privado ou social, quer a título público ou político» – os junta e separa uns dos outros, simultaneamente, num mesmo espaço. A quando da reunião dos homens, «o mundo emerge entre eles», e é nesse espaço intermédio, o qual o estado de brutalidade do Homem não proporciona e, para o qual, a «concepção monoteísta de Deus» não soube dar resposta, que são conduzidos os assuntos respeitantes ao Homem.
É-se levado a crer, e do meu ponto de vista erradamente, que a resposta à pergunta de partida – qual é, afinal, a promessa da política? – se torna tão simples e conclusiva de enunciar: a liberdade. Hannah Arendt, por força dos acontecimentos catastróficos que assolaram a humanidade no século XX e sobre os quais a política acarreta responsabilidades, particularmente as experiências totalitárias e a bomba atómica, coloca-se perante uma questão bem mais radical, agressiva e macabra: «continuará a política a ter ainda qualquer sentido?». A verdade, esta inquestionável, surge quando se concebe a política como um «mal necessário» à manutenção da vida humana. Neste sentido a política começou a «banir-se» a si própria. O seu sentido transformou-se, por muito que nos custe, em ausência de sentido.
A pólis, entendida à luz do conhecimento familiar dos Gregos, traduz a «libertação» realizada pela força e pela coerção baseada no «governo absoluto» exercido por cada chefe de família em sua casa. Embora o sentido do domínio político não fosse entendido como meio de tornar a liberdade humana possível constituiu, ele próprio, o «pré -requisito» indispensável no conhecimento de todas as coisas políticas. Aristóteles acresce que a política, no sentido grego, assume o entendimento «de fim e não de meio». Em contraponto, implicada em sentido moderno, a pólis assume-se como o espaço «intermédio», onde os homens, na sua liberdade «específica» – a construída pelo relacionamento humano – interagem uns com os outros sem coerção e resolvem os seus assuntos por meio «da palavra e da persuasão recíprocas». Hannah Arendt propõe que entendamos a pólis como a mais alta forma de vida humana, em comum, e a única onde se pode gozar uma «liberdade específica» – a edificada – pelo relacionamento dos homens e não a que advém da sua natureza. A autora compreende a política, ou a sua promessa, como o instrumento que conduz o Homem à «busca dos seus próprios fins». Um garante da vida no seu sentido mais amplo e um meio pelo qual se dispõe da «felicidade mínima à existência». A política deve, assim, cumprir a sua preocupação primeira – «a vida comum dos homens e não de anjos» – no sentido do Estado, soberano regulador, que detém o monopólio da força bruta, puder tomar as medidas capazes de impedir a «guerra de todos contra todos». Hannah Arendt toma em consideração um aspecto categórico, desta espécie de liberdade política, o de ser uma «construção espacial». O mundo, no espaço criado pela força das leis, permite ao Homem mover-se em liberdade. A noção de «liberdade específica» decorre do entendimento da pólis – construção intermédia de convivência que se estabelece entre a natureza bruta do Homem e a perfeição de Deus – como espaço de «correcção da natureza humana». «O que fica fora desse espaço é sem lei» e, por isso, sem mundo – «no que à comunidade humana importa» – é um deserto.
O meu entendimento da problemática – qual é, afinal, a promessa da política? – aponta noutro sentido. Na Grécia Antiga a expressão política e liberdade confundia-se. Através do desenvolvimento dos meios de força, provenientes do lodo obscuro do projecto moderno, hoje, a política tende para ameaçar a liberdade. Ironia macabra. Os totalitarismos do século XX criaram e desenvolveram a política segundo a promessa da «ordem pela força». Promessa que, sobre qualquer ponto de vista analítico, cumpriu-se. As democracias ocidentais prosperaram a política e a sua promessa como «a liberdade pela obediência». A anarquia propõe um entendimento, utópico e diletante, da política assente na promessa da «liberdade pela inexistência de toda e qualquer força coerciva». Estas constatações tétricas, adoçadas pela verdade oportuna, até oportuna de mais parece-me, de que «a democracia é um péssimo regime mas o menos péssimo de todos», levam-me a colocar a possibilidade da política assumir, de futuro, a promessa da filosofia ou da «filosofia política», como alguns aclaram, a que alude no sentido do esclarecimento. Sobre a tutela do esclarecimento, a promessa da política, deve possibilitar a emergência do Homem sobre a ignorância tornando-se autónomo e usando, livremente, o «senso crítico» que o dirige, assim, para a «maioridade» – o esclarecimento. Os projectos políticos que se seguiram ao iluminismo do século XVIII «transformaram a política em história ou substituíram a história à política». Tenho como verdade o seguinte: assumir que a promessa da política é o esclarecimento é arrogar, também, o projecto iluminista como esboço dum iluminismo em devir. Fica na retina, contudo, a fantasia Pessoana de que «vivemos livres e criativos demais para nos imporem limites».


André Manuel Vaz

17 de outubro de 2008

O conto: A evasão e a glória.
A história de João de Castro Mendes e o Portugal burguês dos sonhos gigantes.

João de Castro Mendes, filho de Manuel Ferreira de Castro e Maria da Conceição Mendes, nasceu e cresceu no Alentejo. Os verdes anos passados entre os campos de trigo e o fruir da liberdade. A infância tolerante no recato do Outono e a juventude excitada pela jovialidade da primavera. Os rasgos cor-de-rosa apareciam a medo. Um medo legítimo para quem se conheceu modesto, afável, moderado e complacente.
A suave infância e a perversa juventude de quem quis viver tudo ao mesmo tempo. Agora, mais do que nunca, Castro Mendes partia à descoberta da dissidência ou do seu acentuar. Conheceu Joana Amaral Tomás num passeio costumeiro de manhã primaveril. A inocência de Joana contrastava com os deslumbres viciosos de Castro Mendes. João era libertino e Amaral Tomás casta. Cedo se tornaram amigos e confidentes. Enquanto Joana desfrutava, candidamente, do seu primeiro beijo João de Castro fabricava fantasias copiosas. Os passeios alongavam-se pelas tardes soalheiras mesmos quando de noite o frio penetra nos quentes corações. Um amor fugaz terminara. João de Castro queria conquistar o mundo mas Joana apenas conquistá-lo. Ironia.
João de Castro Mendes viajou para Lisboa. Por lá viveu e morreu. Perdeu-se em sonhos gigantes. Joana Amaral Tomás viveu e morreu no Alentejo dentro do seio pacato da família que construiu.
Na retina, João de Castro Mendes, traduz o ruralismo progressista diletante. Joana Amaral Tomás o tradicionalismo lusitano. Um conflito macabro num Portugal com saudades de futuro.

Franco Infante de Melo

9 de outubro de 2008

A verdade incómoda

O discurso político caseiro, típico das pretensões eleitoralistas, não olha ao quadro internacional.

Enquanto os partidos do «Bloco Central» definem a estratégia para 2009 as preocupações internacionais redundam. A Direita vive, hoje, a ressaca do cavaquismo. Como movimento político-económico, o cavaquismo, representou o culto do executivo forte, da obra pública, do enriquecimento da Classe Média e a definição e ocupação, por parte do Estado, de sectores estratégicos da economia. Portugal assumia o Modelo Económico Misto onde o sector público e privado conviviam em harmonia e onde o Estado dispunha do papel regulador de toda a actividade económica. Sobre qualquer ponto de vista analítico o cavaquismo colocou Portugal na rota da modernidade. O cavaquismo findou e deixou saudades, os liberais nunca se impuseram e os populistas apaixonaram o PSD cada vez mais fraccionado. Manuela Ferreira Leite fez renascer o Cavaquismo, ergueu o silêncio, fez regressar as elites à pilotagem mas os murmúrios dos divergentes acentuam-se a cada dia que passa. Nunca o PSD esteve tão longo do rumo e os movimentos do anti-excesso brotam.
A Esquerda desfruta do triunfo, não demodèe, da velha máxima: «Em política a melhor propaganda é aquela que não parece propaganda». O Partido-Socialista montou uma cortina de ferro, à qual, só o Bloco de Esquerda tem acesso. Explicito: o intensificar de movimentos marginais, movimentos políticos que conhecem a sua génese no interior dos partidos mas que só adquirem expressão fora deles, deixa antever que dificilmente o PS auferirá de nova maioria absoluta. Manuel Alegre, poeta absorvido pelo sentimento de justiça social, outrora rotulado pelos capangas da Máquina de aposição interna, constituiu-se no veículo de aproximação ao bloco, o qual, o PS reclamara. Da anexação do Bloco ao PS resultará o «Esquerdão». Elucido: o bloco conquistou a Esquerda e o PS o Centro. O contacto de ambos manifesta-se na abertura do PS às questões sensíveis e pelo repensar do Bloco em matéria de rigor orçamental e metas europeias. Nesta conjuntura o «Esquerdão» garante duas clientelas eleitorais: o «Centro excêntrico», romantizado pelo Bloco, e o «Centro Moderando» afecto ao PS.
Kant escreveu: «o uso privado da razão acarreta limitações em nome da manutenção da ordem pública e da consciência de felicidade do Homem». Não reitero a ideia. Angola está a morrer. O Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) obteve, nas legislativas de 5 e 6 de Setembro, 81,64% das intenções de voto. Assistiu-se ao controlo do Estado pelo próprio Estado e ao instrumentalizar dos meios de comunicação. Angola reinventou a chamada Fórmula Globo. Elucido: todo o movimento político brasileiro apoiado pela Estação Globo saiu vencedor.
Há um Portugal maquiavélico e negocista na linha da «governação sem governo» trazida pela Europa onde a razão de Estado – os fins justificam os meios – é a máxima dominante. Angola está sem destino e tornou-se um país politicamente inviável onde actua um ordenamento político corrupto. Só os Portugueses não vêem.


André Manuel Vaz

18 de setembro de 2008

O veto presidencial

A teoria da conspiração: coexistem duas alianças de poder no quadro político nacional.

Escrevi, neste meu blog, 28 de Junho de 2008, o seguinte: «o comício do Teatro da Trindade anexou bloquistas, socialistas e comunistas renovadores foi jogada de bastidores do Partido-Socialista». Posteriormente, a 10 de Julho de 2008, acrescentei: «o Partido Social-democrata está condenado à oposição comodista assente na teoria: estando o PSD na linha de Belém, dificilmente, o governo vê promulgados devaneios eleitoralistas. O “Bloco Central”perfilha a intenção da “velha fidalguia intelectual” rumar ao poder. Privados – só há diálogo na existência de lugares comuns – andam por ai, adulando uns, enganando outros, na fugaz tentativa da hegemonia, a reboque, típica do melhor partidarismo».
A «Nova Esquerda» – espaço político romântico, aberto, sensível – é transversal a toda a «Esquerda». A «Nova Esquerda» é o bloquista buliçoso, o comunista renovador e o socialista delicado. Há, portanto, uma área política de convivência comum, a qual, significativa massa adepta da «Esquerda» frequenta. O decreto-lei relativo ao divórcio litigioso, aprovado por toda a «Esquerda Parlamentar», é a constatação disso mesmo. Existe, de facto, uma aliança de poder à «Esquerda» alicerçada pelo intensificar de movimentos marginais.
Arnold toynbee esclarece: «a continuidade ocorre por respostas fornecidas a desafios constantes». Explicita: «as respostas, adequadas ou não, surgem no sentido de garantir a continuidade». A política é balancear de pesos e contra pesos. A aliança de poder à «Direita» estabelece o harmonizar de contrários garantindo, assim, o equilíbrio do quadro político nacional. Elucido: o PSD interpreta, apaixonadamente, o tradicional silêncio cavaquista. Cavaco Silva, naturalmente comovido, interfere nos projectos da «Esquerda» utilizando, abusivamente, os poderes constitucionais de que dispõe. O veto político, ao decreto-lei sobre o divórcio litigioso, afigura a reconstituição da «Direita conservadora», típica do melhor cavaquismo, a qual, Manuela Ferreira Leite reitera.
Importa referir, o entendimento de Adelino Maltez, sobre a matéria em análise: «O que me parece é que o veto reflecte um confronto de concepções do mundo e da vida. Pela primeira vez um Presidente da República "tem um intervencionismo moral”. Há equilíbrios difíceis de gerir a um ano de todas as eleições».
Assiste-se ao renascer do país modesto e rural, «orgulhosamente só», católico, com a chancela de Belém.

Jornal da Mealhada
André Manuel Vaz

27 de agosto de 2008

A falsa concepção da difícil conjuntura

Na política do partidarismo solidário incomoda a dissonância, o debate e a reflexão. O melhor maquinismo partidário, do debate de corredor, faz emergir determinada facção, apostada em fazer valer, interesses comuns. Constituem-se, dentro das máquinas partidárias, blocos de influência que conhecem a sua génese nos corredores do poder. Rapidamente a facção de corredor perfilha um qualquer movimento oposicionista interno encabeçado, por um também qualquer, «homem da máquina». Este Movimentacionismo interno deslindou a seguinte «fórmula de oposição»: Entre Sorrisos, abraços, comprimentos, simpatias e amabilidades lá vai chegando a militância adepta da facção. Nas mesas, geralmente redondas, serve-se o vulgar jantar. No palanque, improvisado, o discurso efusivo, crítico e direccionado à clientela, afecta, correspondido, pelo já habitual, coro do aplausos. Na calha o jornalista romantizado pelo esquema, conhecedor do rodeio, encarregue da notícia, primeira página, letras gordas, no jornaleco diário do dia seguinte. O comentário político, ao cargo de meia dúzia de articulistas de telejornal, os ocupantes costumeiros do monopólio opinativo, enfatiza a fantasia e fomenta o aparecimento destas alas divergentes de ataque às lideranças. Soltam-se palavras de ordem: instabilidade e divisão.
A concepção da difícil conjuntura é a mais recente teoria dos «jornaleiros à Direita». Homens de facção, do movimento contrário à ordem, do cálculo oportunista, liberais pintados de sociais-democratas, apoiantes da conveniência e amantes do corredor. Substancia-se nestes propósitos: a crise internacional, agravada pelo jogo especulativo que envolve o preço do petróleo, é uma realidade permanente. A ideia vanguardista liberal apostada na auto-regulamentação do mercado, pelo próprio mercado, fracassa e a concepção de preço de equilíbrio é ilusão. Portugal, economia de dependência, encontra-se, desta forma, submerso numa crise económica sem precedentes. A crise económica abre, então, a porta à crise social traduzida no fim da classe-média, no desemprego, na precariedade, na pobreza e na segregação social. Há, portanto, uma crise internacional efectiva, à qual, as economias de dependência não conseguem fazer frente e que, em ultima análise, afecta todo a sociedade civil. Estão reunidas as condições necessárias ao fim do governo socialista. A solução, em 2009, só pode significar uma «viragem à direita».
A concepção da difícil conjuntura, teoria a cargo dos «mandatários da Direita», afigura-se desprovida da qualquer estudo político. O ataque do Partido-Socialista ao «Centro moderado» só pode significar uma perda à «Esquerda». O crescimento do Bloco não se traduz na alternativa mas a ocupação do espaço político deixado pelo PS na sua deslocação para o «Centro». A estratégia da «Esquerda», para 2009, consiste em forçar, cada vez mais, a deslocação do PS ao «Centro» e ocupar, definitivamente, a «Esquerda». Ao «Centro Direita», a estratégia da omnipresença, traduz-se em Ocupar a totalidade da «Direita», acumulando a facção do CDS-PP, disputar do «Centro», com o PS, e, a «bandeira social-democrata», permite dividir a «Esquerda».
Em 2009, à «Direita», o termo da solução messiânica, do regresso triunfante do salvador, do cavaquismo forçado e esforçado e da intenção aristocrática de rumar ao poder conduz ao principiar do movimento híbrido, da ideologia mista e da hegemonia do anti-excesso.
O Partido-Socialista está condenado, com ou sem maioria absoluta, a ser novamente governo.

Jornal da Mealhada
André Manuel Vaz


10 de julho de 2008

Portugal vai assim: corre o Bloco para o «Centro-Esquerdão», logo, cai outro Bloco…ò «Bloco Central».

O déspota, opressor e prepotente António Oliveira. Américo o complacente e benévolo. A política é a arte de harmonizar contrários e tão bem conviveram eles. Enquanto o país esmorece, o silêncio, à direita, vai marcando passo. Tem sido a marca clássica do cavaquismo responsável.
O regresso ao «centrão» seria uma possibilidade que a pesada herança cavaquista dissipara. O Partido Social-democrata está condenado à oposição comodista assente na teoria: estando o PSD na linha de Belém, dificilmente, o governo vê promulgados devaneios eleitoralistas.
Platão disse outrora: «o excesso costuma ser correspondido por uma mudança radical, no sentido oposto, quer nas plantas, quer nos corpos, e não menos nas cidades». O cavaquismo fomenta, estimula e excita o populismo. O anti-excesso é a principal arma política que Rui Rio têm, de futuro, a apresentar ao PSD.
Não menos relevante a facção liberal do PSD que não deixa de ser social garantista. Percebo a ideia: tendo o PSD imoderadas clientelas não vá, uma candidatura de facção, ser mais facção ainda.
À margem das guerrilhas internas do PSD está o Bloco de Esquerda. A ideia da chamada «Nova Esquerda» onde, em hipótese, coabitam, no mesmo espaço político, socialistas, bloquistas e comunistas renovadores assume contornos de embuste que só as teses da neoanexação estratégica explicitam. Corre, portanto, a Bloco para PS e este, conivente, deixa-se apanhar arquitectando, assim, o «Esquerdão».
O «bloco central» perfilha a intenção da «velha fidalguia intelectual» rumar ao poder. Privados – só há dialogo na existência de lugares comuns – andam por ai, adulando uns, enganando outros, na fugaz tentativa da hegemonia, a reboque, típica do melhor partidarismo.
A fantasia: diria Oliveira ao benévolo Américo: «a política é a arte de possível e nunca do óptimo».

André Manuel Vaz

4 de julho de 2008

A grande ilação: “Uma mentira repetida, várias vezes, torna-se verdade”, Joseph Goebbels.

A Universidade de Harvard propõe o estudo da Psicologia Positiva. Elucido: “Estudo científico do funcionamento humano óptimo”. A Psicologia Positiva instrui, entre outras coisas, a tornar-se feliz. O fim último da civilização: a fórmula da felicidade. Arroga que atendamos com optimismo “ o mundo que nos rodeia”. Explicita que “a forma como vemos o mundo” traduz o modo como “o mundo olha para nós”.
A psicologia positiva traduz o optimismo oco, emotivo e popular pouco, ou nada, razoável. Tenho como verdade o seguinte: as massas mergulham no optimismo com medo de respirar verdade.
O pessimismo é racional, é duro, é obsceno, é perverso. Sou um forçado pessimista, prisioneiro da racionalidade, da analisa, da crítica arrogante e mordaz. O pessimismo é viciado, é pervertido e olham o fim com propósito.
A ideia de sociedade feliz é repisada na substância: também somos o que dizem que somos. Se dizem que somos felizes, logo, somos felizes. Fica a razão deixada ao abandono. Só é opinião o pensamento pessimista, todo o resto é contemplação.
Substancio o meu derrotismo no seguinte: ou percebo, continuamente, que tenho razão ou sou agradavelmente surpreendido.

André Manuel Vaz