Torna-se inadiável ler, pensar e analisar criticamente Nietzsche
Parece-me claro o colapso da Política no mundo presente. Importa garantir, apesar do «antigo conflito entre ambas», que a Filosofia, enquanto disciplina de pensamento, não goze igual remate. Há quem defenda, nesse sentido abundam ideólogos, a necessidade de cultivar e desenvolver uma Filosofia Política. No essencial desta proposta, a génese da acção política e o seu exercício, «por incidir sobre algo ou sobre alguma coisa», encontra na Filosofia uma «rampa de lançamento», pois esta, reflecte sempre um acto intelectual interior de cada sujeito. Procurarei, no decorrer deste ensaio, provar a impossibilidade de realização da referida proposta. A convivência, sem «lugares comuns», transforma-se numa impossibilidade.
A promessa da Filosofia Política, mesmo considerando a sua impraticabilidade, não deixa, na teoria, de obedecer a um princípio nobre: nem à Política se subtrai a Filosofia – todo a prática política tem por base ideias, teorias e projectos – nem à Filosofia se subtrai a Política – só o uso admite expressão à ideia. No entanto, os homens comuns, enquanto cidadãos do mundo, o que esperam da Política são respostas a problemas. A Filosofia apenas pode colocá-los. A primeira dirige o seu exercício na procura do efeito enquanto à segunda importa a legitimidade desse efeito – a Política caros leitores será sempre a ciência do resultado. Pior: a pluralidade e a complexidade de questões levantadas pela Filosofia à Politica, na sua praxe, à muito carecem de consequência. Logo, se admitirmos o resultado, o «fim último», enquanto essência que norteia toda a prática política somos abrigados a concluir que a intromissão da Filosofia desordena o seu sentido transformando-a «em ausência do mesmo».
Das duas uma: ou repensamos a Filosofia Clássica e o seu propósito, visto a nulidade do contributo à Politica, ou substituímo-la por uma alternativa. À muito que a Filosofia, como o comum dos mortais a entende, abandonou todo e qualquer espírito de missão. Entregou-se às trevas das dialécticas e daí nunca saiu – a que melhor se reconhece opõe o Bem ao Mal. Propôs-se moralizar o mundo sem perceber que, diz respeito a cada Homem, ao fruto do seu raciocínio, decidir por que Moral optar ou decidir não optar por nenhuma, não ver qualquer sentido na Moral ou criticar o seu propósito. Há, se assim se pode considerar, no que à Filosofia interessa, uma clara crise de resultados. A título de exemplo: o Capitalismo foi sempre uma ideologia dominante e influi os destinos do mundo porque nunca se entregou a dialécticas. Substitui-o a fraqueza dos conceitos, a pluralidade das opiniões e a validade das ideias pela força do «lucro».
Proponho-vos: entendam Nietzsche. Dêem uma oportunidade ao seu pensamento e à missão extraordinária que desenvolveu pelo engrandecer da Filosofia. O autor, o talento e perspicácia da reflexão que desenvolveu, «assinala a reacção poderosa e consistente contra a Filosofia Cultural, contra a Filosofia Científica e contra todo o saber que viva, consciente ou não, da tradição precária». Ao autor: «torna-se-lhe suspeito tudo quanto é técnico, mesmo que seja a técnica do bem pensar, tudo quanto é regra, e principalmente a regra para ser justo e para ser santo». Nietzsche «rompe com toda a espécie de facto, com todo o ídolo ou todo o ideal». O oportunismo da sua obra é tal que lê-la torna-se obrigatório e compreendê-la viciante.
Uma estocada no catolicismo, na religiosidade, na crença infundada: o ópio dos pobres de espírito, na fé inabalável, palavras do autor: «Deus está morto mas considerando o estado em que se encontra a espécie humana, talvez ainda por um milénio existam grutas onde se mostrará a sua sombra».
No que à Filosofia importa, de olhos postos no legado de Nietzsche: duvidar permanentemente, ser crítico, não aceitar nada como verdade absoluta, única ou plena, desautorizar as convicções e combater toda e qualquer tentativa de moralização porque «não há comportamentos imorais em si mas interpretações morais de comportamentos». Caso contrário, a Ciência Moderna «torna tudo demasiado claro para que o possamos ver».
Notas soltas.
Primeira: alguns dos meus leitores, entre os quais amigos próximos, fizeram-me saber que consideram não haver razões de fundo que justifiquem um debate sério e devidamente fundamentado sobre a Pornografia – o qual propus aquando do meu último ensaio. Ainda assim, insisto: Nenhuma descrição do mundo é original. Logo, importa reescreve-lo – escreve-lo novamente, abrir a porta a novas leituras, avançar uma descrição possível. Neste sentido, o Ironista (conceito de Richard Rorty), perito em redescrever coisas e acontecimentos, «origina surpresas, coloca novos problemas, gera sobressaltos argumentativos, fórmula derivas teóricas, torna contingentes noções e crenças, reimprimindo uma nova inteligibilidade às questões». Desta forma, nada garante, ao Ironista, «que a Pornografia, enquanto acto redescritivo do sexo explícito, se apresente mais distante da Alta Cultura que o Romance, a peça de Teatro, o Documentário ou a Fotografia». Entendam caros leitores: a deslealdade intelectual, o pudor e a resistência irracional em nada dignificam quem produz Opinião. Logo, para que dúvidas não restem, prefiro a polémica à omissão. Não há, portanto, temas proibidos que recuse tratar ou sobre os quais me obste a reflectir.
Segunda: Os EUA continuam a tratar-se do «Novo Mundo» onde a Tolerância e a Liberdade norteiam o intelecto de cada cidadão. Tiffany Shepherd – nome artístico: Leah Lust –, antiga professora de Biologia no Estado da Flórida, abandonou as salas de aula para se dedicar à representação. Tornou-se actriz pornô. A teatralidade que empresta ao cinema bem como o profissionalismo dedicado à arte pornográfica abriram-lhe a porta ao sucesso, ao reconhecimento e ao prestígio. Algo que só acontece num país onde «cada Homem se constrói a si próprio».
Uma advertência: sejam críticos em relação ao que penso. Não assumam o que escrevo como verdade absoluta, única ou plena. Nunca foi esse o propósito da minha escrita. Sou mais dado à procura «de caves em andares nobres» – se bem me faço entender. Última provocação: discordem sempre de mim e façam-mo saber, por favor. Significa que me leram, pensaram e analisaram criticamente. Assim o façam com Nietzsche. Torna-se inadiável.
André Manuel Vaz / www.andremanuelvaz.blogspot.com
Parece-me claro o colapso da Política no mundo presente. Importa garantir, apesar do «antigo conflito entre ambas», que a Filosofia, enquanto disciplina de pensamento, não goze igual remate. Há quem defenda, nesse sentido abundam ideólogos, a necessidade de cultivar e desenvolver uma Filosofia Política. No essencial desta proposta, a génese da acção política e o seu exercício, «por incidir sobre algo ou sobre alguma coisa», encontra na Filosofia uma «rampa de lançamento», pois esta, reflecte sempre um acto intelectual interior de cada sujeito. Procurarei, no decorrer deste ensaio, provar a impossibilidade de realização da referida proposta. A convivência, sem «lugares comuns», transforma-se numa impossibilidade.
A promessa da Filosofia Política, mesmo considerando a sua impraticabilidade, não deixa, na teoria, de obedecer a um princípio nobre: nem à Política se subtrai a Filosofia – todo a prática política tem por base ideias, teorias e projectos – nem à Filosofia se subtrai a Política – só o uso admite expressão à ideia. No entanto, os homens comuns, enquanto cidadãos do mundo, o que esperam da Política são respostas a problemas. A Filosofia apenas pode colocá-los. A primeira dirige o seu exercício na procura do efeito enquanto à segunda importa a legitimidade desse efeito – a Política caros leitores será sempre a ciência do resultado. Pior: a pluralidade e a complexidade de questões levantadas pela Filosofia à Politica, na sua praxe, à muito carecem de consequência. Logo, se admitirmos o resultado, o «fim último», enquanto essência que norteia toda a prática política somos abrigados a concluir que a intromissão da Filosofia desordena o seu sentido transformando-a «em ausência do mesmo».
Das duas uma: ou repensamos a Filosofia Clássica e o seu propósito, visto a nulidade do contributo à Politica, ou substituímo-la por uma alternativa. À muito que a Filosofia, como o comum dos mortais a entende, abandonou todo e qualquer espírito de missão. Entregou-se às trevas das dialécticas e daí nunca saiu – a que melhor se reconhece opõe o Bem ao Mal. Propôs-se moralizar o mundo sem perceber que, diz respeito a cada Homem, ao fruto do seu raciocínio, decidir por que Moral optar ou decidir não optar por nenhuma, não ver qualquer sentido na Moral ou criticar o seu propósito. Há, se assim se pode considerar, no que à Filosofia interessa, uma clara crise de resultados. A título de exemplo: o Capitalismo foi sempre uma ideologia dominante e influi os destinos do mundo porque nunca se entregou a dialécticas. Substitui-o a fraqueza dos conceitos, a pluralidade das opiniões e a validade das ideias pela força do «lucro».
Proponho-vos: entendam Nietzsche. Dêem uma oportunidade ao seu pensamento e à missão extraordinária que desenvolveu pelo engrandecer da Filosofia. O autor, o talento e perspicácia da reflexão que desenvolveu, «assinala a reacção poderosa e consistente contra a Filosofia Cultural, contra a Filosofia Científica e contra todo o saber que viva, consciente ou não, da tradição precária». Ao autor: «torna-se-lhe suspeito tudo quanto é técnico, mesmo que seja a técnica do bem pensar, tudo quanto é regra, e principalmente a regra para ser justo e para ser santo». Nietzsche «rompe com toda a espécie de facto, com todo o ídolo ou todo o ideal». O oportunismo da sua obra é tal que lê-la torna-se obrigatório e compreendê-la viciante.
Uma estocada no catolicismo, na religiosidade, na crença infundada: o ópio dos pobres de espírito, na fé inabalável, palavras do autor: «Deus está morto mas considerando o estado em que se encontra a espécie humana, talvez ainda por um milénio existam grutas onde se mostrará a sua sombra».
No que à Filosofia importa, de olhos postos no legado de Nietzsche: duvidar permanentemente, ser crítico, não aceitar nada como verdade absoluta, única ou plena, desautorizar as convicções e combater toda e qualquer tentativa de moralização porque «não há comportamentos imorais em si mas interpretações morais de comportamentos». Caso contrário, a Ciência Moderna «torna tudo demasiado claro para que o possamos ver».
Notas soltas.
Primeira: alguns dos meus leitores, entre os quais amigos próximos, fizeram-me saber que consideram não haver razões de fundo que justifiquem um debate sério e devidamente fundamentado sobre a Pornografia – o qual propus aquando do meu último ensaio. Ainda assim, insisto: Nenhuma descrição do mundo é original. Logo, importa reescreve-lo – escreve-lo novamente, abrir a porta a novas leituras, avançar uma descrição possível. Neste sentido, o Ironista (conceito de Richard Rorty), perito em redescrever coisas e acontecimentos, «origina surpresas, coloca novos problemas, gera sobressaltos argumentativos, fórmula derivas teóricas, torna contingentes noções e crenças, reimprimindo uma nova inteligibilidade às questões». Desta forma, nada garante, ao Ironista, «que a Pornografia, enquanto acto redescritivo do sexo explícito, se apresente mais distante da Alta Cultura que o Romance, a peça de Teatro, o Documentário ou a Fotografia». Entendam caros leitores: a deslealdade intelectual, o pudor e a resistência irracional em nada dignificam quem produz Opinião. Logo, para que dúvidas não restem, prefiro a polémica à omissão. Não há, portanto, temas proibidos que recuse tratar ou sobre os quais me obste a reflectir.
Segunda: Os EUA continuam a tratar-se do «Novo Mundo» onde a Tolerância e a Liberdade norteiam o intelecto de cada cidadão. Tiffany Shepherd – nome artístico: Leah Lust –, antiga professora de Biologia no Estado da Flórida, abandonou as salas de aula para se dedicar à representação. Tornou-se actriz pornô. A teatralidade que empresta ao cinema bem como o profissionalismo dedicado à arte pornográfica abriram-lhe a porta ao sucesso, ao reconhecimento e ao prestígio. Algo que só acontece num país onde «cada Homem se constrói a si próprio».
Uma advertência: sejam críticos em relação ao que penso. Não assumam o que escrevo como verdade absoluta, única ou plena. Nunca foi esse o propósito da minha escrita. Sou mais dado à procura «de caves em andares nobres» – se bem me faço entender. Última provocação: discordem sempre de mim e façam-mo saber, por favor. Significa que me leram, pensaram e analisaram criticamente. Assim o façam com Nietzsche. Torna-se inadiável.
André Manuel Vaz / www.andremanuelvaz.blogspot.com