29 de junho de 2009

Marcas do tempo: um ensaio politicamente incorrecto.




Sejamos claros: é inegável o facto de vivermos um mundo «pós-global». A globalização, enquanto processo de aproximação planetário, foi sempre entendida como oportunidade. Desta forma, não outra, interpreto a sociedade portuguesa do «pós 25 de Abril». A oportunidade transformada na oportunidade de ameaça ou, na melhor das hipóteses, na oportunidade do desafio. As revoluções, ainda que o contrário se entenda, não acabam com os problemas. Substituem-nos. O capitalismo selvagem, como o cultivámos e absorvemos, diluiu a «litigância de Abril». Hoje, o país depara-se com a sociedade de bem-estar generalizado, adepta do consumo e da indolência. Portugal não respira Democracia. A igualdade deu lugar ao igualitarismo. A tolerância tende a desaparecer. A participação política está elitizada e a liberdade propriedade da aristocracia – os portugueses não querem ser livres mas iguais aos outros. Qual é, afinal, recupero a pergunta de partida de Karl Popper, «o inimigo principal da sociedade aberta» portuguesa?
O Ensino Público tal o pensámos e desenvolvemos. A escola, enquanto Instituição capaz de formar cidadãos conscientes e críticos, reúne «professores de passatempo» e «alunos de recreio». Os primeiros não sabem o que ensinar porque, durante anos a fio, a Educação centrou todas as atenções na Pedagogia – reitero a crítica de Hannah Arendt: «saber como não significa necessariamente saber o quê». Os segundos não sabem escrever porque não sabem pensar, visto que, a primeira condição depende da segunda. Posto isto, sobressai uma constatação óbvia: os alunos portugueses não sabem «pensar em dialéctica» porque a Escola, empilhada de Magalhães e quadros interactivos, não os obriga à crítica, ao contraditório, à reflexão e problematização de conceitos. Esta forma de pensar a Escola e a Educação força à «aprendizagem do ficheiro» fornecida pelo computador. Os quatro anos de governação socialista, em matéria de Educação, mais não fizeram senão entregar o pensamento à Maquinaria tecnologia e o suporte ao Estudante. Cómico mas real.
A Escola precisa urgentemente de compreender Vygotsky na teoria da «Zona de Desenvolvimento Proximal». O autor defende a existência de duas áreas distintas de conhecimento. A Área Real, engloba o conjunto de capacidades que o aluno detém efectivamente sendo capaz, por si próprio, de aplicar, e a Área Potencial, correspondente às competências que o aluno só desenvolve em competição permanente, pela comparação e auxílio de alguém tão ou mais desenvolvido. Advogo, tendo por base estas premissas, que as escolas organizem os estudantes segundo «Turmas de Nível». Turmas que permitam agrupar alunos de capacidades semelhantes estando estes em permanente competição e incidindo a aprendizagem, como entende Vygotsky, sobre a Área Potencial. O modelo das turmas heterogéneas, fruto da macabra liberdade de Abril, apresenta-se ineficaz. Explícito: quando se reúnem alunos de capacidades dissemelhantes os bons não tem qualquer estímulo a serem melhores. A competição perde-se. A comparação é despropositada e o professor, ainda que não queira, vê-se obrigado a baixar o nível de exigência. Negligenciar as diferenças intelectuais que nos separam significa não perceber, como advertiu Rawls, «o facto de o Homem ser produto da natureza torna-o desigual. Uma lotaria incontrolável». Uma ressalva: a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia consagra, no artigo3º, o direito à integridade do ser humano, passo a citar, «A proibição das práticas eugénicas, nomeadamente das que têm por finalidade a selecção das pessoas». Em síntese, as «Turmas de Nível» seriam um passo afrente na Educação mas um passo atrás na Democracia. Uma questão que merece ser discutida com elevação intelectual considerando, «sem ódios nem paixões», os prós e contras.
Posto isto, o país caminha sem destino. A Educação não preocupa os portugueses. Não admira que a classe política se revele incapaz pois esta, no limite, emerge da sociedade civil, também ela, impreparada. Aos portugueses importa assegurar, desculpem algum radicalismo, o passei de fim-de-semana no centro comercial, o bilhete para o jogo de futebol e as férias no Algarve, de preferência no mês de Agosto. Como se habituaram a fazer meia dúzia de aristocratas ingleses reformados. Viva Portugal.

P.S. Há práticas que não entendo. Melhor, entendo mas não percebo nem subscrevo. O Jornal da Mealhada, edição de 20 de Maio de 2009, notícia: «O primeiro número da revista VIA – uma publicação da JM – Jornal da Mealhada, Lda – fez parte do lote de livros e edições sugeridos pelo Professor Marcelo Rebelo de Sousa, no seu programa televisivo semanal, de 17 de Maio de 2009, “As Escolhas de Marcelo”, exibido nas noites de Domingo, na RTP 1». Na mesma coluna noticiosa, acrescenta: «Marcelo Rebelo de Sousa, o mais importante comentador político português sugeriu a VIA…». Pergunto: ao considerar o professor Marcelo Rebelo Sousa o mais importante comentador político português, num espaço informativo e presumivelmente isento, que critérios serviram de base ao JM que fundamentem tal consideração? É lamentável o jornalismo das apreciações. Omitir o que penso, «logo existo», seria colaborar silenciosamente com o mau jornalismo produzido em Portugal do qual, por laxismo e indolência, nos habituamos a «comer sem questionar». Era desejável que o JM, com o qual colaboro com orgulho, na pessoa do director Nuno Castela Canilho, do qual sou amigo, veja neste meu reparo, sincero, a oportunidade de acrescentar qualidade ao jornal. Parafraseando Artur Moura, pensador tão incompreendido quão oportuno, «prefiro os que me criticam porque me obrigam a ser melhor, aos que me elogiam, pois estes, tendem a corroer-me». A cobardia, em particular a intelectual, é a pior forma de viver em Democracia.


André Manuel Vaz