21 de novembro de 2009

O «Day After» das legislativas

Uma observação preliminar: a vitória do Partido-Socialista foi clara, expressiva e inequívoca ainda que, como previsto, poucas dúvidas restavam mesmo aos mais optimistas, tenha efectivamente perdido a maioria absoluta – deveras confundida com «poder absoluto». Não me obsto a afirmar que, não fosse a conjuntura económica internacional desfavorável, sob a qual, durante 4 anos, governou o executivo socialista, não fosse o reformismo profundo, necessário, não menos polémico, na Administração Pública, na Justiça, na Segurança Social – quase em falência técnica –, na Saúde e no Ensino – as controversas aulas de substituição que combateram o laxismo professoral, a pertinência do Inglês e da Musica ministrados no 1º ciclo bem como o «choque tecnológico», do qual, beneficiaram alunos e professores – o PS, com facilidade, via renovada a maioria absoluta alcançada em 2005. Em política, as reformas de fundo custam votos e popularidade.
O executivo socialista, no que à próxima legislatura diz respeito, vê-se obrigado a definir uma nova estratégia de governabilidade outrora assente na prepotência da tomada de decisão e na «ditadura da maioria». Os governos minoritários, privados de maioria parlamentar, estão forçados, ainda que implique desvirtuações ideológicas e cedências, ao diálogo com as restantes forças políticas representadas. O problema reside no seguinte: não há no PS, ainda menos em Sócrates, cultura política de negociação ou de cedência. Pior: no «Partido Sócrates» do «Socialismo de Direita» – tão dialogante que, «no mesmo saco», cabem os «cornos de Manuel Pinho», o «Comunismo reciclado» de Vital Moreira, a «Direita dos Valores» de Freitas do Amaral, o «Esquerdismo» de Alegre bem como o aplauso de Mário Soares e Almeida Santos – não se reconhece, ou não se tem reconhecido, qualquer «lugar-comum» de diálogo onde prevaleça «a força do melhor argumento». Portanto, não vejo o «laicismo militante» de Sócrates negociar com a «família para a procriação» de Manuela Ferreira Leite. Das duas uma: ou dar ouvidos a «revolucionários e radicais de Esquerda» ou trocar argumentos com «conservadores e moralistas de Direita» – uma ressalva: não considero o CDS, ao contrário do que por ai se escreve, um partido radical de Direita visto que, consta da sua base ideológica, muito da Doutrina Social da Igreja Católica. Um conflito por resolver. O Sistema de Governo português, Semi-Presidencialista, pela natureza excessivamente conflitual, tende a condicionar bastante o exercício político dos governos minoritários. Preciso: o primeiro-ministro, no semi-presidencialismo, responde perante o Parlamento e Presidente da Républica. Se o partido de governo detiver maioria parlamentar, o que não acontece nesta legislatura, por si só, sabendo jogar com a disciplina de voto, faz aprovar decretos de lei. O governo de minoria socialista vê-se forçado a negociar entendimentos da Esquerda à Direita porque em causa está a governabilidade do país. A acção do Presidente da Républica, apesar deste não possuir competências executivas, mais ou menos cooperante, têm demasiadas implicações políticas e pode gerar, daí a conflitualidade do sistema, falhas de cooperação institucional – Cavaco Silva chamou-lhe «cooperação estratégica». O Partido-Socialista, privado de maioria absoluta, ou domina o diálogo com inteligência ou é dominado pela força do sistema.
O Partido Social-Democrata, a par do Bloco de Esquerda, noutros moldes obviamente: nunca foi partido de poder muito menos partido de governo, foram os grandes derrotados da noite eleitoral – não há que ter medo de chamar «os bois pelos nomes». Portanto, estão obrigados a repensar a sua estratégia e posicionamento no quadro político nacional. Manuela Ferreira Leite, por uma questão de estratégia – decidir sobre o timing é pensar estrategicamente –, deveria abandonar de imediato a liderança do PSD ao contrário de prolongá-la até Maio de 2010. Torno claro: o PSD pautou-se pelo silêncio concordante duma «Direita a fazer de Esquerda» sem agenda nem programa, sem força nem poder, sem oposição nem alternativa. Ferreira Leite acumulou erros tácticos – era evitada a deslocação à Madeira, a uma semana das eleições, por uma simples razão: a «Ilha de Jardim» já tem uma tradição de voto Social-Democrata. Como se não bastasse, recomendou-a como «exemplo de Democracia» – com erros de natureza política – aquando da campanha, nunca fechou a porta ao eventual entendimento, pós-eleitoral, com a «Direita próxima» tendo, desta forma, perdido votos para Paulo Portas. Um «tango» que o PSD não soube, nem se apercebeu, dançar com o CDS. Neste contexto, porque importa ao PSD, não sendo poder, assegurar o contra-poder, a saída de Ferreira Leite permitiria resolver, o quanto antes, a questão que envolve a sua sucessão. Condição que, em última análise, beneficiava a «estratégia política da nova elite dirigente» quanto à recandidatura de Cavaco Silva. Caso o povo reconduza Cavaco Silva, certezas disso não tenho, e dada a conflitualidade do sistema que permite ao Presidente da Républica, através do Veto Político, condicionar a acção do governo, o PSD ganha tempo e pode reestruturar-se internamente. Um apontamento polémico de futuro: Cavaco Silva, ainda que reeleito em 2011 e apoiado pelo «Máquina Laranja», será bastante menos interventivo, perspectivo eu. Quererá sair pela «porta grande» deixando um legado de cooperação institucional que até agora, do que conhece, raras vezes se verificou. Pouco dará ao partido porque, dele, nada terá a receber. Por agora, com Pedro Passos Coelho na corrida às internas, os corredores do PSD, em voz baixa, vão sussurrando por Marcelo Rebelo Sousa.
Em suma, interessa reter o seguinte: ao Partido-Socialista, num sistema de natureza conflitual, convém a negociação inteligente. O PSD, em fim de ciclo, limitar-se-á a chumbar, sem critério, qualquer proposta do Governo – à boa maneira da oposição contra tudo e todos a que já nos habituaram. O CDS, da «Direita dos Valores», será o parceiro privilegiado com quem o PS negociará se, tendo por base o programa eleitoral socialista, cumprir o caderno de encargos definido por Paulo Portas. O Bloco, excepção feita ao tema do Casamento Homossexual, manter-se-á fiel ao estilo partido protesto. Caso contrário, via o radicalismo crítico colocado em prática, cujos frutos são conhecidos, esvaziar-se. Ao Partido Comunista restam-lhe duas alternativas: ou aproxima-se do PS e toma parte da decisão governativa ou, fechado sobre si mesmo, a médio prazo extingue-se.
O despotismo prepotente de Sócrates dará lugar socialismo do diálogo. Da noite para o dia – quis o povo assim.

Nota: este ensaio, por se tratar de um exercício de reflexão política – onde a verdade mais não goza, senão, dum «momento de verdade» –, encontra-se permanentemente aberto à crítica. «Torna-se-me suspeito tudo quanto é técnico, mesmo que seja a técnica do bem pensar». Portanto, é lícita toda e qualquer discórdia em relação ao que escrevo. Prefiro o debate com os mais capazes ao consenso dos mais amigos.

André Manuel Vaz