21 de novembro de 2009

O «Day After» das legislativas

Uma observação preliminar: a vitória do Partido-Socialista foi clara, expressiva e inequívoca ainda que, como previsto, poucas dúvidas restavam mesmo aos mais optimistas, tenha efectivamente perdido a maioria absoluta – deveras confundida com «poder absoluto». Não me obsto a afirmar que, não fosse a conjuntura económica internacional desfavorável, sob a qual, durante 4 anos, governou o executivo socialista, não fosse o reformismo profundo, necessário, não menos polémico, na Administração Pública, na Justiça, na Segurança Social – quase em falência técnica –, na Saúde e no Ensino – as controversas aulas de substituição que combateram o laxismo professoral, a pertinência do Inglês e da Musica ministrados no 1º ciclo bem como o «choque tecnológico», do qual, beneficiaram alunos e professores – o PS, com facilidade, via renovada a maioria absoluta alcançada em 2005. Em política, as reformas de fundo custam votos e popularidade.
O executivo socialista, no que à próxima legislatura diz respeito, vê-se obrigado a definir uma nova estratégia de governabilidade outrora assente na prepotência da tomada de decisão e na «ditadura da maioria». Os governos minoritários, privados de maioria parlamentar, estão forçados, ainda que implique desvirtuações ideológicas e cedências, ao diálogo com as restantes forças políticas representadas. O problema reside no seguinte: não há no PS, ainda menos em Sócrates, cultura política de negociação ou de cedência. Pior: no «Partido Sócrates» do «Socialismo de Direita» – tão dialogante que, «no mesmo saco», cabem os «cornos de Manuel Pinho», o «Comunismo reciclado» de Vital Moreira, a «Direita dos Valores» de Freitas do Amaral, o «Esquerdismo» de Alegre bem como o aplauso de Mário Soares e Almeida Santos – não se reconhece, ou não se tem reconhecido, qualquer «lugar-comum» de diálogo onde prevaleça «a força do melhor argumento». Portanto, não vejo o «laicismo militante» de Sócrates negociar com a «família para a procriação» de Manuela Ferreira Leite. Das duas uma: ou dar ouvidos a «revolucionários e radicais de Esquerda» ou trocar argumentos com «conservadores e moralistas de Direita» – uma ressalva: não considero o CDS, ao contrário do que por ai se escreve, um partido radical de Direita visto que, consta da sua base ideológica, muito da Doutrina Social da Igreja Católica. Um conflito por resolver. O Sistema de Governo português, Semi-Presidencialista, pela natureza excessivamente conflitual, tende a condicionar bastante o exercício político dos governos minoritários. Preciso: o primeiro-ministro, no semi-presidencialismo, responde perante o Parlamento e Presidente da Républica. Se o partido de governo detiver maioria parlamentar, o que não acontece nesta legislatura, por si só, sabendo jogar com a disciplina de voto, faz aprovar decretos de lei. O governo de minoria socialista vê-se forçado a negociar entendimentos da Esquerda à Direita porque em causa está a governabilidade do país. A acção do Presidente da Républica, apesar deste não possuir competências executivas, mais ou menos cooperante, têm demasiadas implicações políticas e pode gerar, daí a conflitualidade do sistema, falhas de cooperação institucional – Cavaco Silva chamou-lhe «cooperação estratégica». O Partido-Socialista, privado de maioria absoluta, ou domina o diálogo com inteligência ou é dominado pela força do sistema.
O Partido Social-Democrata, a par do Bloco de Esquerda, noutros moldes obviamente: nunca foi partido de poder muito menos partido de governo, foram os grandes derrotados da noite eleitoral – não há que ter medo de chamar «os bois pelos nomes». Portanto, estão obrigados a repensar a sua estratégia e posicionamento no quadro político nacional. Manuela Ferreira Leite, por uma questão de estratégia – decidir sobre o timing é pensar estrategicamente –, deveria abandonar de imediato a liderança do PSD ao contrário de prolongá-la até Maio de 2010. Torno claro: o PSD pautou-se pelo silêncio concordante duma «Direita a fazer de Esquerda» sem agenda nem programa, sem força nem poder, sem oposição nem alternativa. Ferreira Leite acumulou erros tácticos – era evitada a deslocação à Madeira, a uma semana das eleições, por uma simples razão: a «Ilha de Jardim» já tem uma tradição de voto Social-Democrata. Como se não bastasse, recomendou-a como «exemplo de Democracia» – com erros de natureza política – aquando da campanha, nunca fechou a porta ao eventual entendimento, pós-eleitoral, com a «Direita próxima» tendo, desta forma, perdido votos para Paulo Portas. Um «tango» que o PSD não soube, nem se apercebeu, dançar com o CDS. Neste contexto, porque importa ao PSD, não sendo poder, assegurar o contra-poder, a saída de Ferreira Leite permitiria resolver, o quanto antes, a questão que envolve a sua sucessão. Condição que, em última análise, beneficiava a «estratégia política da nova elite dirigente» quanto à recandidatura de Cavaco Silva. Caso o povo reconduza Cavaco Silva, certezas disso não tenho, e dada a conflitualidade do sistema que permite ao Presidente da Républica, através do Veto Político, condicionar a acção do governo, o PSD ganha tempo e pode reestruturar-se internamente. Um apontamento polémico de futuro: Cavaco Silva, ainda que reeleito em 2011 e apoiado pelo «Máquina Laranja», será bastante menos interventivo, perspectivo eu. Quererá sair pela «porta grande» deixando um legado de cooperação institucional que até agora, do que conhece, raras vezes se verificou. Pouco dará ao partido porque, dele, nada terá a receber. Por agora, com Pedro Passos Coelho na corrida às internas, os corredores do PSD, em voz baixa, vão sussurrando por Marcelo Rebelo Sousa.
Em suma, interessa reter o seguinte: ao Partido-Socialista, num sistema de natureza conflitual, convém a negociação inteligente. O PSD, em fim de ciclo, limitar-se-á a chumbar, sem critério, qualquer proposta do Governo – à boa maneira da oposição contra tudo e todos a que já nos habituaram. O CDS, da «Direita dos Valores», será o parceiro privilegiado com quem o PS negociará se, tendo por base o programa eleitoral socialista, cumprir o caderno de encargos definido por Paulo Portas. O Bloco, excepção feita ao tema do Casamento Homossexual, manter-se-á fiel ao estilo partido protesto. Caso contrário, via o radicalismo crítico colocado em prática, cujos frutos são conhecidos, esvaziar-se. Ao Partido Comunista restam-lhe duas alternativas: ou aproxima-se do PS e toma parte da decisão governativa ou, fechado sobre si mesmo, a médio prazo extingue-se.
O despotismo prepotente de Sócrates dará lugar socialismo do diálogo. Da noite para o dia – quis o povo assim.

Nota: este ensaio, por se tratar de um exercício de reflexão política – onde a verdade mais não goza, senão, dum «momento de verdade» –, encontra-se permanentemente aberto à crítica. «Torna-se-me suspeito tudo quanto é técnico, mesmo que seja a técnica do bem pensar». Portanto, é lícita toda e qualquer discórdia em relação ao que escrevo. Prefiro o debate com os mais capazes ao consenso dos mais amigos.

André Manuel Vaz

17 de outubro de 2009

Torna-se inadiável ler, pensar e analisar criticamente Nietzsche

Parece-me claro o colapso da Política no mundo presente. Importa garantir, apesar do «antigo conflito entre ambas», que a Filosofia, enquanto disciplina de pensamento, não goze igual remate. Há quem defenda, nesse sentido abundam ideólogos, a necessidade de cultivar e desenvolver uma Filosofia Política. No essencial desta proposta, a génese da acção política e o seu exercício, «por incidir sobre algo ou sobre alguma coisa», encontra na Filosofia uma «rampa de lançamento», pois esta, reflecte sempre um acto intelectual interior de cada sujeito. Procurarei, no decorrer deste ensaio, provar a impossibilidade de realização da referida proposta. A convivência, sem «lugares comuns», transforma-se numa impossibilidade.
A promessa da Filosofia Política, mesmo considerando a sua impraticabilidade, não deixa, na teoria, de obedecer a um princípio nobre: nem à Política se subtrai a Filosofia – todo a prática política tem por base ideias, teorias e projectos – nem à Filosofia se subtrai a Política – só o uso admite expressão à ideia. No entanto, os homens comuns, enquanto cidadãos do mundo, o que esperam da Política são respostas a problemas. A Filosofia apenas pode colocá-los. A primeira dirige o seu exercício na procura do efeito enquanto à segunda importa a legitimidade desse efeito – a Política caros leitores será sempre a ciência do resultado. Pior: a pluralidade e a complexidade de questões levantadas pela Filosofia à Politica, na sua praxe, à muito carecem de consequência. Logo, se admitirmos o resultado, o «fim último», enquanto essência que norteia toda a prática política somos abrigados a concluir que a intromissão da Filosofia desordena o seu sentido transformando-a «em ausência do mesmo».
Das duas uma: ou repensamos a Filosofia Clássica e o seu propósito, visto a nulidade do contributo à Politica, ou substituímo-la por uma alternativa. À muito que a Filosofia, como o comum dos mortais a entende, abandonou todo e qualquer espírito de missão. Entregou-se às trevas das dialécticas e daí nunca saiu – a que melhor se reconhece opõe o Bem ao Mal. Propôs-se moralizar o mundo sem perceber que, diz respeito a cada Homem, ao fruto do seu raciocínio, decidir por que Moral optar ou decidir não optar por nenhuma, não ver qualquer sentido na Moral ou criticar o seu propósito. Há, se assim se pode considerar, no que à Filosofia interessa, uma clara crise de resultados. A título de exemplo: o Capitalismo foi sempre uma ideologia dominante e influi os destinos do mundo porque nunca se entregou a dialécticas. Substitui-o a fraqueza dos conceitos, a pluralidade das opiniões e a validade das ideias pela força do «lucro».
Proponho-vos: entendam Nietzsche. Dêem uma oportunidade ao seu pensamento e à missão extraordinária que desenvolveu pelo engrandecer da Filosofia. O autor, o talento e perspicácia da reflexão que desenvolveu, «assinala a reacção poderosa e consistente contra a Filosofia Cultural, contra a Filosofia Científica e contra todo o saber que viva, consciente ou não, da tradição precária». Ao autor: «torna-se-lhe suspeito tudo quanto é técnico, mesmo que seja a técnica do bem pensar, tudo quanto é regra, e principalmente a regra para ser justo e para ser santo». Nietzsche «rompe com toda a espécie de facto, com todo o ídolo ou todo o ideal». O oportunismo da sua obra é tal que lê-la torna-se obrigatório e compreendê-la viciante.
Uma estocada no catolicismo, na religiosidade, na crença infundada: o ópio dos pobres de espírito, na fé inabalável, palavras do autor: «Deus está morto mas considerando o estado em que se encontra a espécie humana, talvez ainda por um milénio existam grutas onde se mostrará a sua sombra».
No que à Filosofia importa, de olhos postos no legado de Nietzsche: duvidar permanentemente, ser crítico, não aceitar nada como verdade absoluta, única ou plena, desautorizar as convicções e combater toda e qualquer tentativa de moralização porque «não há comportamentos imorais em si mas interpretações morais de comportamentos». Caso contrário, a Ciência Moderna «torna tudo demasiado claro para que o possamos ver».

Notas soltas.
Primeira: alguns dos meus leitores, entre os quais amigos próximos, fizeram-me saber que consideram não haver razões de fundo que justifiquem um debate sério e devidamente fundamentado sobre a Pornografia – o qual propus aquando do meu último ensaio. Ainda assim, insisto: Nenhuma descrição do mundo é original. Logo, importa reescreve-lo – escreve-lo novamente, abrir a porta a novas leituras, avançar uma descrição possível. Neste sentido, o Ironista (conceito de Richard Rorty), perito em redescrever coisas e acontecimentos, «origina surpresas, coloca novos problemas, gera sobressaltos argumentativos, fórmula derivas teóricas, torna contingentes noções e crenças, reimprimindo uma nova inteligibilidade às questões». Desta forma, nada garante, ao Ironista, «que a Pornografia, enquanto acto redescritivo do sexo explícito, se apresente mais distante da Alta Cultura que o Romance, a peça de Teatro, o Documentário ou a Fotografia». Entendam caros leitores: a deslealdade intelectual, o pudor e a resistência irracional em nada dignificam quem produz Opinião. Logo, para que dúvidas não restem, prefiro a polémica à omissão. Não há, portanto, temas proibidos que recuse tratar ou sobre os quais me obste a reflectir.
Segunda: Os EUA continuam a tratar-se do «Novo Mundo» onde a Tolerância e a Liberdade norteiam o intelecto de cada cidadão. Tiffany Shepherd – nome artístico: Leah Lust –, antiga professora de Biologia no Estado da Flórida, abandonou as salas de aula para se dedicar à representação. Tornou-se actriz pornô. A teatralidade que empresta ao cinema bem como o profissionalismo dedicado à arte pornográfica abriram-lhe a porta ao sucesso, ao reconhecimento e ao prestígio. Algo que só acontece num país onde «cada Homem se constrói a si próprio».
Uma advertência: sejam críticos em relação ao que penso. Não assumam o que escrevo como verdade absoluta, única ou plena. Nunca foi esse o propósito da minha escrita. Sou mais dado à procura «de caves em andares nobres» – se bem me faço entender. Última provocação: discordem sempre de mim e façam-mo saber, por favor. Significa que me leram, pensaram e analisaram criticamente. Assim o façam com Nietzsche. Torna-se inadiável.

André Manuel Vaz / www.andremanuelvaz.blogspot.com

18 de agosto de 2009

Precisam-se, com urgência, filósofos estúpidos

Proponho-me responder, em tom de monólogo partilhado – reflexão que estabeleço comigo próprio ainda que partilhada com os leitores – à interrogação deixada em aberto aquando do meu último ensaio: «Entendam, caros leitores, a ironia, o sarcasmo, a provocação latente, figuras das quais sistematicamente me socorro no exercício dos ensaios, enquanto «estocadas certeiras» ao conjunto de hábitos e práticas de pensamento que repugno. Esclareço: pensar bem não significa pensar como eu. Significa, antes, pensar segundo inferências válidas e sustentáveis. Caso contrário, tornamo-nos reféns de convicções absurdas. Última estocada: de que servem homens de convicções absurdas?». Importa garantir que a Filosofia, «apesar do antigo conflito que a opõe à Política», não sofre de igual remate – «o colapso no mundo presente» traduzido no descrédito da classe política. Faço-o seguro da convivência impossível entre ambas as disciplinas: a Filosofia, enquanto exercício de pensamento, «reflecte um acto interior de cada sujeito». Por sua vez, a Politica, na sua praxis, actua sobre algo ou alguma coisa. Um «mal necessário» à manutenção da vida humana em sociedade.
Comecemos pela fantasia: tomemos o mundo enquanto lugar perfeito pensado e desenvolvido no sentido de organizar indivíduos tendo em consideração «a sua igualdade relativa contrapondo-a às sua relativas diferenças». Suponhamos, a bem da ficção, que o Direito, garante da ordem pela força, serve o cidadão comum, enquanto gerador de conflitos de interesse, ao não ser instrumento das elites dominantes de qualquer organização social. Imaginemos, por capricho pessoal, a globalização, enquanto processo de aproximação planetário, o motor capaz de conceber uma justiça mundial responsável pela promoção da igualdade entre homens. Admitamos que a globalidade de cidadãos do mundo abraça valores, crenças – inimigas da dúvida, logo, proibidas ao léxico filosófico, e certezas comuns, as quais, permitiam um Governo Mundial – cosmopolis, centrado nos interesses autênticos e verdadeiros da humanidade. Eu, um louco convicto, ainda assim, manter-me-ia céptico em relação à bondade do homem. Ainda assim, arriscar-me-ia filosofar: duvidar sempre da perfeição do mundo. Ainda assim, seria descrente perante homens de fé – homens que procuram descobrir algo em que acreditar já que, de si, pouco descobrem de valor, em si, nada há em que acreditar. Ainda assim, permanecia imoral entre homens de ética – criminosos da expressão livre em favor das normas e das regras rígidas do pensamento científico moderno – envergonhar-me-ia, perante este, curva-me: a resistência racional apresenta-se, dos meus instintos, mais próxima que a tolerância. Tornar-me-ia, com certeza – outra inimiga da filosofia: «só os seres superficiais têm certezas profundas», crítico profissional – guardo nomenclaturas de amigos, esta, da autoria do meu caro Nuno Castela Canilho. Empresto, desde já, o meu profissionalismo crítico à opinião.
Deixemos o faz de conta: os homens não são iguais entre si – nem o devem: «há uns mais iguais que outros». As sociedades, umas mais outras menos, com maior ou menor expressão, desenvolvem lógicas de estratificação. Não há, portanto, homens iguais enquanto existir quem governe e quem seja governado. Quem mande e quem seja mandado. Quem exerça o poder e quem lhe esteja sujeito – quanto a isto: estamos conversados. O Direito é o elemento organizador de todas as estruturas sociais do Estado. Contudo, mais não representa senão «o Direito dos mais fortes» – criado e desenvolvido pelos mais fortes para benefício próprio. Em última análise, o Direito que tutela as Democracias Modernas Ocidentais, por mais «aliciantes mas falsas ideias claras que tínhamos», acentua, ou melhor: perpetua, a desigualdade entre os homens. O Estado «por tratar-se de uma instituição hierárquica permite uma oligarquia governante». A sua natureza, dominador ou dominado, director ou emergente, varia em função do poder que cada Estado, por si, exerce sobre outro Estado igualmente considerado. Explicito: os Estados Unidos da América controlam o mundo. Qualquer tomada de decisão americana influencia, directa ou indirectamente, a totalidade dos Estados Soberanos. A Cooperação Internacional para o Desenvolvimento, programa que visa o auxílio dos países desenvolvidos aos países em desenvolvimento, cuja finalidade se prende com o combate às dificuldades económicas e sociais dos segundos, não goza de menor propósito – o seu sentido inicial transformou-se em ausência de sentido. Sejamos claros e incisivos: aos americanos, tal com à totalidade dos países desenvolvidos, nada importa o manifesto subdesenvolvimento de outros Estados. Conspiremos irmãos – aceitam a inconveniência da minha religiosidade lúcida? – contra práticas americanas: o Iraque não dispõe, nem nunca dispôs, de armamento nuclear que colocasse a humanidade sob ameaça global. A ideia de ameaça global foi usada e manipulada pela máquina americana de forma a legitimar uma guerra pela salvação do mundo. Uma guerra pelo petróleo e pela água – «o petróleo do futuro». No essencial, uma guerra pela manutenção da hegemonia mundial. Uma guerra pela perpetuação do poder – a ditadura do poder. A este novo colonialismo, que obriga a «comer» sem «questionar» um modelo cultural dominante, chama-se «americanização do mundo». A globalização não passa da falsa verdade – e da desculpa, de quem não estuda, logo desconhece, o alcance da relação entre Estados. O mundo, até que o contrário se pense – e pior: se afirme, com pouca substância, não é irreversivelmente transformado pela globalização. O poder dos governos nacionais e dos nacionalismos, bem como as disposições geopolíticas permanecem invariáveis e determinam, ainda, as orientações do nosso tempo. Perdoem-me a dureza que, enquanto crítico profissional – guardo nomenclaturas, empresto à crónica.
Precisam-se, com urgência, filósofos estúpidos – se possível estúpidos e loucos: será a loucura antitética da lucidez? Filósofos que produzam ideias estúpidas – homens de convicções absurdas, os quais, tendem a ser contrariados por filósofos menos estúpidos que, por sua vez, produzem ideias, também elas, menos estúpidas. Até à ideia inteligente. «Não é a dúvida mas a certeza que enlouquece». Estou demasiado certo quanto à força da dúvida, logo – hipótese a não desconsiderar, talvez não passe de filósofo estúpido. Ainda assim, presto serviço à humanidade.


André Manuel Vaz

17 de julho de 2009

Crepúsculo do homem bom

«Será que nós, os imoralistas, fazemos mal à virtude? – tanto quanto os anarquistas prejudicam os príncipes. Só depois de terem sido atingidos de novo se sentam firmemente nos seus tronos. Moral da história: à que disparar contra a moral». Começo, não me permitia o contrário, por «disparar» contra a moral, contra a benevolência, contra a pureza, contra verdades feitas – e reditas pelo calão científico do qual somos «filhos legítimos», que ordenam a acção humana desordenada em si mesmo. Porque «só é novo o esquecido», eu explícito: a visão distorcida que desenvolvemos, quanto aos fenómenos envolventes da humanidade, acontece enquanto a acção do Homem for pensada e equacionada numa lógica de bondade e segundo um conjunto de sedutoras mas falsas ideias claras – perdoem-me a incómoda mas propositada incoerência – relativas à sua natureza e condição.
Primeira verdade: a natureza má do ser humano corresponde à luta permanente pelo poder. Tudo é poder ou vontade de poder. A maldade, traduzida na indisciplinada vontade de poder, é o pano de fundo que sustenta toda a acção do homem em sociedade. A esta verdade imprópria equivale a colossal mentira, alimentada e cultivada por grande parte pensamento ocidental – fruto do raciocínio de «monstros sagrados» que parasitam entre nós e contra os quais nos revelamos incapazes de «disparar», de que o homem é intrinsecamente bom. Entenda-se: ao perspectivar-se o Homem segundo uma lógica de bondade intrínseca considera-se, portanto, as estruturas sociais o motor da sua perversão, sendo estas, capazes de provocar conflitos no seio da sociedade em que vive. Importa, considero eu, optar entre o Homem e o Estado – as estruturas sociais, enquanto enredo tétrico, impedem o ser humano de se libertar. O primeiro é o «valor supremo», em torno do qual, se criam tais instituições. Ao considerar-se que estas o «diminuem» é terminante destruí-las. Em sociedade, os homens, verdadeiros animais políticos, são «lobos uns dos outros» e podendo «comem-se» mutuamente. Esta incómoda mas prudente verdade, ainda que devidamente institucionalizada, resume a lei da vida enquanto lei da sobrevivência – Darwin chamou-lhe «selecção natural».
Segunda verdade: os filósofos iluministas do século XVIII, curvemo-nos perante suas excelências – a assustadora tendência do homem disciplinado e acrítico, partidários do pensamento lógico e da cientificidade comprovavel, perpetuam a sua autoridade nas democracias modernas ocidentais. Perpetuam na medida em que são, mais ou menos continuadamente, as referências de pensamento filosófico que norteiam as diversas concepções que desenvolvemos relativas à condição humana. São, como pensou e escreveu Edmund Burke, «os audaciosos experimentadores da nova moral». Deles, imana a confiança total e ilimitada nas capacidades da razão humana e, por eles, se rejeita tudo o que se lhe oponha. Permitam-me resistir – devo, quero e posso resistir. O que me resta? O elogio da irregularidade.
Este ensaio, na linha de Nietzsche, dirige-se a quem, como eu, prefere «ser sátiro a ser santo». A quem, como eu, prefere caminhar pelos próprios pés. Aos que, como eu, preferem a «verdade independente», ou a sua recusa, às «aliciantes mas falsas ideias claras». Aos que, como eu, tendem a «disparar contra a moral» sem nunca fazer mal à virtude.

Notas Soltas:
Entendam, caros leitores, a ironia, o sarcasmo, a provocação latente, figuras das quais sistematicamente me socorro no exercício dos ensaios, enquanto «estocadas certeiras» ao conjunto de hábitos e práticas de pensamento que repugno. Esclareço: pensar bem não significa pensar como eu. Significa, antes, pensar segundo inferências válidas e sustentáveis. Coso contrário, tornamo-nos reféns de convicções absurdas. Última estocada: de que servem homens de convicções absurdas?

André Manuel Vaz

29 de junho de 2009

Marcas do tempo: um ensaio politicamente incorrecto.




Sejamos claros: é inegável o facto de vivermos um mundo «pós-global». A globalização, enquanto processo de aproximação planetário, foi sempre entendida como oportunidade. Desta forma, não outra, interpreto a sociedade portuguesa do «pós 25 de Abril». A oportunidade transformada na oportunidade de ameaça ou, na melhor das hipóteses, na oportunidade do desafio. As revoluções, ainda que o contrário se entenda, não acabam com os problemas. Substituem-nos. O capitalismo selvagem, como o cultivámos e absorvemos, diluiu a «litigância de Abril». Hoje, o país depara-se com a sociedade de bem-estar generalizado, adepta do consumo e da indolência. Portugal não respira Democracia. A igualdade deu lugar ao igualitarismo. A tolerância tende a desaparecer. A participação política está elitizada e a liberdade propriedade da aristocracia – os portugueses não querem ser livres mas iguais aos outros. Qual é, afinal, recupero a pergunta de partida de Karl Popper, «o inimigo principal da sociedade aberta» portuguesa?
O Ensino Público tal o pensámos e desenvolvemos. A escola, enquanto Instituição capaz de formar cidadãos conscientes e críticos, reúne «professores de passatempo» e «alunos de recreio». Os primeiros não sabem o que ensinar porque, durante anos a fio, a Educação centrou todas as atenções na Pedagogia – reitero a crítica de Hannah Arendt: «saber como não significa necessariamente saber o quê». Os segundos não sabem escrever porque não sabem pensar, visto que, a primeira condição depende da segunda. Posto isto, sobressai uma constatação óbvia: os alunos portugueses não sabem «pensar em dialéctica» porque a Escola, empilhada de Magalhães e quadros interactivos, não os obriga à crítica, ao contraditório, à reflexão e problematização de conceitos. Esta forma de pensar a Escola e a Educação força à «aprendizagem do ficheiro» fornecida pelo computador. Os quatro anos de governação socialista, em matéria de Educação, mais não fizeram senão entregar o pensamento à Maquinaria tecnologia e o suporte ao Estudante. Cómico mas real.
A Escola precisa urgentemente de compreender Vygotsky na teoria da «Zona de Desenvolvimento Proximal». O autor defende a existência de duas áreas distintas de conhecimento. A Área Real, engloba o conjunto de capacidades que o aluno detém efectivamente sendo capaz, por si próprio, de aplicar, e a Área Potencial, correspondente às competências que o aluno só desenvolve em competição permanente, pela comparação e auxílio de alguém tão ou mais desenvolvido. Advogo, tendo por base estas premissas, que as escolas organizem os estudantes segundo «Turmas de Nível». Turmas que permitam agrupar alunos de capacidades semelhantes estando estes em permanente competição e incidindo a aprendizagem, como entende Vygotsky, sobre a Área Potencial. O modelo das turmas heterogéneas, fruto da macabra liberdade de Abril, apresenta-se ineficaz. Explícito: quando se reúnem alunos de capacidades dissemelhantes os bons não tem qualquer estímulo a serem melhores. A competição perde-se. A comparação é despropositada e o professor, ainda que não queira, vê-se obrigado a baixar o nível de exigência. Negligenciar as diferenças intelectuais que nos separam significa não perceber, como advertiu Rawls, «o facto de o Homem ser produto da natureza torna-o desigual. Uma lotaria incontrolável». Uma ressalva: a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia consagra, no artigo3º, o direito à integridade do ser humano, passo a citar, «A proibição das práticas eugénicas, nomeadamente das que têm por finalidade a selecção das pessoas». Em síntese, as «Turmas de Nível» seriam um passo afrente na Educação mas um passo atrás na Democracia. Uma questão que merece ser discutida com elevação intelectual considerando, «sem ódios nem paixões», os prós e contras.
Posto isto, o país caminha sem destino. A Educação não preocupa os portugueses. Não admira que a classe política se revele incapaz pois esta, no limite, emerge da sociedade civil, também ela, impreparada. Aos portugueses importa assegurar, desculpem algum radicalismo, o passei de fim-de-semana no centro comercial, o bilhete para o jogo de futebol e as férias no Algarve, de preferência no mês de Agosto. Como se habituaram a fazer meia dúzia de aristocratas ingleses reformados. Viva Portugal.

P.S. Há práticas que não entendo. Melhor, entendo mas não percebo nem subscrevo. O Jornal da Mealhada, edição de 20 de Maio de 2009, notícia: «O primeiro número da revista VIA – uma publicação da JM – Jornal da Mealhada, Lda – fez parte do lote de livros e edições sugeridos pelo Professor Marcelo Rebelo de Sousa, no seu programa televisivo semanal, de 17 de Maio de 2009, “As Escolhas de Marcelo”, exibido nas noites de Domingo, na RTP 1». Na mesma coluna noticiosa, acrescenta: «Marcelo Rebelo de Sousa, o mais importante comentador político português sugeriu a VIA…». Pergunto: ao considerar o professor Marcelo Rebelo Sousa o mais importante comentador político português, num espaço informativo e presumivelmente isento, que critérios serviram de base ao JM que fundamentem tal consideração? É lamentável o jornalismo das apreciações. Omitir o que penso, «logo existo», seria colaborar silenciosamente com o mau jornalismo produzido em Portugal do qual, por laxismo e indolência, nos habituamos a «comer sem questionar». Era desejável que o JM, com o qual colaboro com orgulho, na pessoa do director Nuno Castela Canilho, do qual sou amigo, veja neste meu reparo, sincero, a oportunidade de acrescentar qualidade ao jornal. Parafraseando Artur Moura, pensador tão incompreendido quão oportuno, «prefiro os que me criticam porque me obrigam a ser melhor, aos que me elogiam, pois estes, tendem a corroer-me». A cobardia, em particular a intelectual, é a pior forma de viver em Democracia.


André Manuel Vaz

9 de maio de 2009

Duas ou três Brancas de Neve, o resto, ainda que pintados de cor semelhante, são anões senhor presidente, nada mais.




Começo, não me permitia o contrário, por agradecer ao meu querido amigo e confidente Diogo Santos, que muito estimo e admiro, o convite, que por amabilidade e reconhecimento me dirigiu, no sentido de integrar a lista candidata ao Núcleo de Ciência Política do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. Convite, que por decência e autonomia intelectual, recusei, ou melhor, fui obrigado a recusar.
Esta é, não mais, em tom de monólogo partilhado, a reflexão que estabeleço comigo próprio – se me é permitida a redundância, acerca da minha recusa. Devo e quero tornar públicas as razão que estão na sua base para que, de futuro, a integridade não se confunda com traição.
A lista para a qual foi convidado, tal como está, reúne dois ou três elementos esclarecidos – no seguimento do pensamento de Kant «homens capazes de caminhar pelos próprios pés», a que se juntam, por conveniência do esclarecimento de dois ou três, meia dúzia de «figurantes de telenovela» que mais não fazem senão repetir, vezes sem conta: «Yes Mr President».
Perceba senhor presidente: eu remeto-me à minha redoma porque nela sou livre de pensar sem as «amarras do sistema». Nela, discuto, ainda que comigo mesmo, ideias e não lugares. Desfruto, em conforto, da elegância da razão. Recuso ser útil pela natural inutilidade de quem vos acompanha. Corrijo: de quem vos é conveniente fazer-se acompanhar. Sabe senhor presidente: eu, ao contrário da prática de dois ou três ditadores esclarecidos, não entendo aqueles que não são por mim como sendo contra mim. Eu, por convicção, não reprimo a diferença nem me faço valer de «jogos de corredor». Entenda senhor presidente: eu prefiro o debate com os mais capazes ao consenso dos mais amigos. São estas as diferenças de percepção da vida e do mundo que nos separam.
Ainda que relutante, perceba senhor presidente: eu vergo-me à razão mas jamais ao capricho.

Duas Notas.
Primeira: Quando Nuno Pereira sair da presidência do Núcleo de Ciência Política que o faça com consciência que o seu trabalho e dedicação produziram frutos. Que a sua conduta de esforço e empenho inspire quem depois dele vier.
Segunda: Decorreram, dentro do espírito democrático, as eleições para o Núcleo de Estudantes de Relações Internacionais do já referido instituto. Os alunos votaram em conformidade com a sua vontade. Discutiram-se ideias e propostas num debate anterior ao acto eleitoral que opôs as duas listas candidatas. Percebe-se, com clareza, a importância de programas eleitorais discutidos e não encomendados. São estas manifestações, de respeito pela diferença, que tornam o NERI, por tradição, mais competente, democrático e tolerante que o NCP. Uma verdade inconveniente.

André Manuel Vaz

26 de fevereiro de 2009

A revolução e a pós-revolução

Ao explicar qualquer tipo de fenómeno revolucionário a Ciência Política, enquanto estudo do poder organizado, vai ao encontro do truísmo: «todas as revoluções são pós revolucionárias». Neste sentido acredita-se que a revolução não se substancia em si mesma mas na expressão das mudanças que dela advém. Começo a olhar com resistência este axioma.
Terça-feira, 19 de Janeiro de 2009, Washington, mais de dois milhões de pessoas assistiram à tomada de posse de Barack Obama. Embalado ao som de «My Country, tis of thee», de Aretha Franklin, e já sem os dispensáveis panfletos, fundo azul-bebé, onde se subscreve, preto carregado, «Change We Need», o novo presidente discursou para quem o elegeu: classe media e minorias.
Um discurso marcado pela recuperação, bem conseguida, do Liberalismo Moderado de Jonh Rawls – há quem o considere Liberalismo Social-democrata ou igualitário. Liberalismo Moderado na medida em que garante os direitos fundamentais dos cidadãos primando este princípio sobre o da aceitação da redistribuição desigual quando esta favorece os mais desfavorecidos. Rawls acredita que a natureza gera desigualdades, uma lotaria incontrolável, as quais a sociedade deve corrigir a fim de garantir, que os menos capazes, se encontrem em situação de igualdade de oportunidades. Este teórico, cuja obra mais conhecida: «A Theory of Justice», considera que sob um véu de ignorância – momento hipotético onde indivíduos, que se desconhecem enquanto seres, são obrigados a decidir sobre os fundamentos reguladores da sociedade – escolhem princípios de igualdade e de correcção do desigual. Há em Rawls um darwinismo encoberto e a crença, ainda que não assumida, na selecção natural que a sociedade de homens racionais deve dirimir.
Uma certeza sem propósito: a Ciência Moderna – responsável pela criação dos funcionários cegos da técnica, tratou de relegar as teorias da superioridade racial, do século XIX, para o baú das recordações indesejáveis da Velha Ciência – concepção assente na divisão dos seres humanos em diferentes raças, de complexidades diferentes, onde o mundo tido como estático e criado por Deus existia sob a aura da perfeição. No seguimento do pensamento de Nietzsche: «Os inimigos da verdade não são as mentiras mas as convicções» e no reflectir sobre o Ironismo de Rorty onde se considera não haver abordagens privilegiadas da realidade vejo-me obrigado a reconhecer que diferenças existem entre grupos humanos, não genéticas mas de percepção do mundo, face ao modelo cultural dominante que tende para ser o Ocidental. Uma situação de privilégio para quem o perfilha.
Barack Obama, num mundo complexo e de pilotagem automática, onde os mecanismos de decisão nem sempre se encontram sobre a tutela dos Estados Soberanos será a revolução sem mudança. A mudança sem força de expressão. Um paliativo indigesto – peço desculpa pelo manifesto pessimismo pois não acredito na política da verdade fora do princípio de «Fim último» de Maquiavel. Reconheço, contudo, a contra-corrente desta minha visão face à esperança da comunidade mundial.

André Manuel Vaz

1 de fevereiro de 2009

Definição

Enquanto defino
Redefino o todo
Enquanto Penso
Flutuo indefinido.

Se penso
Não defino
Se flutuo
Redefino.

Definindo
Então penso
E pensando
Não defino.

Pensando mais que definindo
Não penso
Nem defino
Vou pensando.

Pensando
Então defino
Se penso
Flutuo indefinido.

A definição que define
Nem o é nem o exprime
Mais não é que pensar
E pensar não define.

Se exprimo
Então penso
E pensando
Não defino.

Se pensar define
Compreender é exprimir
Se penso exprimindo
Pensar é definir.

Flutuo indefinido
A definição não define
Nem o é nem o exprime
Muito menos o define
E eu flutuo.

Franco Infante de Melo