23 de dezembro de 2008

«Contingência, Ironia e Solidariedade»

Poderá a Pornografia, ou a Ciência Pornográfica, enquanto acto redescritivo (conceito de Richard Rorty) do sexo explícito, estar tão próxima da Alta Cultura como o Romance, a Peça de Teatro, o Documentário ou a Fotografia?

Em «Contingência, Ironia e Solidariedade», Richard Rorty, explora a tensão «entre perfeição individual e a responsabilidade social, entre a arte e a filosofia radical ou entre a arte, enquanto desenvolvimento de uma consciência individual, só por si, e a necessidade de pôr de lado os assuntos particulares, de cada um, em benefício do interesse público».
O autor começa por se demarcar da abordagem filosófica platónica — filosofia sistemática. Este modelo entende a filosofia como a tentativa continuada na procura da verdade absoluta, alheia à Historia, exterior ao sujeito e à linguagem, logo, fora do campo contingente. Uma verdade capaz de atingir a essência da realidade e a natureza intrínseca das coisas. Rorty propõe a filosofia edificante — corrente de pensamento que abandona o mito platónico assente na ideia de que os Homens têm elementos comuns à partida— absorvida pelo pormenor, pela conversação e pela ironia contingente.
O autor introduz a figura do Ironista (conceito próprio), alguém que levanta dúvidas profundas sobre o vocabulário a utilizar, hábitos e crenças dominantes da sua cultura. Alguém que coloca o Mundo num «plano funcional» e compreende a verdade como «um momento de verdade». O Ironista, à maneira de Rorty, concebe o mundo funcional na «verdade situada», contingente, e inteligível exibindo algum cepticismo relativamente às abordagens privilegiadas no conhecimento da realidade.
O Ironista é um especialista em redescrever — o seu método por excelência. Redescrever significa abrir uma porta para o inteligível, avançar com uma descrição possível, não como única ou plena, mas passível de derivações, variações e «contra-variações». Perito em redescrever coisas e acontecimentos, o Ironista, origina surpresas, coloca problemas, gera sobressaltos argumentativos, fórmula derivas teóricas, torna contingentes noções e crenças, «reimprimindo uma nova inteligibilidade às questões». Richard Rorty constata que as sociedades democráticas, habituadas a pensar por contrários, colocam a dialéctica segundo contrários desligados e antagónicos. Rorty busca a possibilidade de realidades contrárias se tocarem, cruzando-se no campo contingente estando sujeitas, constantemente, a novas inteligibilidades.
Neste sentido, ao falar-se em redescrição — nova descrição — reconhece-se que nenhuma descrição do mundo é original. Desta forma, após a queda de descrição original, nada garante, ao Ironista, que a Esquerda seja mais conservadora e a Direita mais liberal, que os realistas estejam mais próximos da realidade que os utópicos, que a ciência é mais verdade que a fantasia, que o pensar é antitético do agir, que o bem representa valor hierarquicamente superior ao mal, que a razão detenha privilégio lógico e a emoção repentismo, que a liberdade se manifeste contrária à repressão, que os especialistas compreendam melhor que os leigos, que o complexo é menos perceptível que o simples, que a consciência concorra na certeza e a inconsciência na perversidade e que a Pornografia, enquanto acto redescritivo do sexo explícito, se apresente mais distante da Alta Cultura que o Romance, a Peça de Teatro, o Documentário ou a Fotografia.
No essencial da minha Ironia, ao estilo de Rorty, recupero a figura de João Carlos Oliveira Saldanha(Duque de Saldanha). Adepto devoto do Cartismo e contestatário dessa tendência. Mais tarde militante dedicado de Costa Cabral e posteriormente contra-cabralista. Oliveira Saldanha, no seu pacifismo revolucionário, é considerado um traidor histórico. A minha Ironia permite-me perceber Oliveira Saldanha como alguém, que ao redescrever-se, se reinventou permanentemente.
Oliveira Saldanha foi sempre tudo e o seu contrário. Não foi pornográfico. Sou eu. Ironia.

André Manuel Vaz