4 de dezembro de 2008

Os medos da «ditadura provisória»

Do exercício político de Manuela Ferreira Leite, à frente do partido Social-Democrata, fica a intenção, pouco feliz, de suspender um regime democrático continuado por uma ditadura provisória. Ferreira Leite entende que a Democracia, compreendida como o Governo do diálogo, da cedência e da negociação, impossibilita qualquer movimento reformista profundo. O apelo à «ditadura provisória» foi recebido, com simpatia e amabilidade, no jantar da militância adepta, onde o discurso, palanque improvisado, foi correspondido, em uníssono, pelo corro de aplausos. O discurso e a natural ovação parecem ter caído bem entre a gente da «Máquina Laranja». Haja inconsciência.
As Democracias modernas, por serem pervertidas, ou como alguns preferem compreender, por assumirem a promessa de Maquiavel – compreende a política como resultado final e não como veículo onde os fins justificam os meios – realizam-se na manutenção do poder. Desta forma o objectivo último de quem está no poder é manter-se no poder. Quem manda quer continuar a mandar. Uma linhagem desviante e assustadora para quem, como eu, têm na Democracia, enquanto sistema político, o reconhecimento da legitimidade de exercício político.
O PSD vê-se abrigado à oposição comodista e silenciosa, típica do melhor cavaquismo, que ganha substância e adquire forma na ideia: a convergência institucional permite a oposição pela linha de Belém. A chegada à liderança do PSD, de Manuela Ferreira Leite, afigura que o messianismo salvador, como a Direita o conhece e desenvolveu, está bem vivo e recomenda-se. Com a consideração de sempre.
O caminho de Maquiavel – o da razão de Estado: entende que a acção do Estado deve assumir um carácter amoral no sentido de garantir a maximização do interesse próprio porque, como esclarece o autor, o Estado abdica de tudo menos da sua sobrevivência – esbarra no contrapeso do poder: a resistência. Onde há poder há resistência. Manuela Ferreira Leite com a pouca habilidade política que dispõe, a que se lhe conhece, terá de silenciar a ala liberal progressista, afecta a Pedro Passos Coelho, sempre pronta para o assalto à liderança. Na calha a facção liberal romântica, afecta a Pedro Santana Lopes, disponível para o combate político. Uma terceira via a considerar, na qual eu pouco acredito, reside no surgimento do Partido Liberal como movimento marginal dentro do PSD e que, em hipótese, divide o partido entre conservadores e progressistas. Fantasia tão propositada quão incapaz de Alberto João Jardim.
A Democracia prossegue fragilizada por entre os medos da «ditadura provisória», a qual, o PSD propõe. Para lá da solução messiânica, do regresso do salvador e da pilotagem das elites há mais Direita e mais PSD. Por agora os corredores do partido, de si para si, vão sussurrando: Marcelo Rebelo Sousa. Resta saber até quando.
Fica a provocação, com intuito explícito e obsceno de provocar – peço desculpa pela intencional redundância, de um dedicado democrata: se a Democracia já vale tão pouco, ou mesmo nada, que os contestatários apresentem alternativas ao regime.

André Manuel Vaz